segunda-feira, 14 de julho de 2014

Final da Copa leva ao ápice futebol estatizado de Kirchner na Argentina

Final da Copa leva ao ápice futebol estatizado de Kirchner na Argentina

Governo argentino comprou os direitos do campeonato local e de todos os jogos da última Copa do Mundo. Antes, os direitos pertenciam ao grupo Clarín, maior conglomerado de mídia do país e inimigo público número 1 da presidente

IG
Argentina - A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não esteve no Maracanã para acompanhar a final da Copa do Mundo contra a Alemanha, mas a presença do país na decisão levou ao ápice sua política de estatizar as transmissões de futebol no país. O possível tricampeonato mundial, exibido pela TV Pública, poderia ter proporcionado alguns momentos de alívio para a mandatária, com a popularidade em queda em meio à crise econômica atravessada pela nação.
No contexto da guerra com o Grupo Clarín, maior conglomerado de mídia da Argentina e antes detentor dos direitos de transmissão de futebol no país, Cristina Kirchner criou em 2009 o programa Fútbol para Todos (FPT), através do qual o Estado passou a controlar as exibições das partidas. Além de enfraquecer o inimigo público número 1, a presidente ganhou uma preciosa vitrine para divulgar os feitos de sua gestão, política que chegou ao ápice no domingo.
Cristina Kirchner tem briga com jornal argentino
Foto:  Reuters
Em caráter de exclusividade, o governo adquiriu os direitos de transmissão dos 64 jogos da Copa do Mundo realizada no Brasil. Milhões de argentinos acompanharam a grande decisão contra a Alemanha no Maracanã por meio da TV Pública. Enquanto estiveram torcendo pelo astro Lionel Messi na tentativa de conquistar o tricampeonato, os espectadores-eleitores foram expostos a uma série de propagandas oficiais.
"O argumento do governo é que o futebol é parte do patrimônio dos argentinos e deixá-lo em mãos privadas implicava em privilegiar os critérios de mercado sobre os de democratização do consumo cultural. Por outro lado, pode-se discutir até que ponto é missão do Estado oferecer esse tipo de produto e que as centenas de milhões de pesos investidas no Fútbol para Todos poderiam ser empregadas de outras maneiras", pondera o historiador argentino Ernesto Bohoslavsky, doutor em América Latina contemporânea. A Justiça argentina vem investigando supostas irregularidades na administração dos fundos do programa entre 2009 e 2013. Jorge Capitanich, chefe de gabinete, e Julio Grondona, presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA), de acordo com o jornal La Nación, estão sob suspeita. Desde o início, o projeto criado por Cristina Kirchner já consumiu aproximadamente US$ 1 bilhão. Em 2014, devem ser gastos cerca de US$ 147 milhões.
Diferentemente de Joachim Gauck e Angela Merkel, presidente e chanceler alemães, respectivamente, Kirchner não esteve no Maracanã. Em uma carta endereçada à "companheira Dilma", ela enumerou alguns motivos para declinar o convite, como o primeiro aniversário do neto, a visita do russo Vladimir Putin e uma "faringolaringite aguda severa". Há quem diga, no entanto, que a chefe de Estado temeu ser taxada como pé-frio em caso de revés, a exemplo do que ocorreu com Carlos Menem, testemunha da derrota da Argentina contra Camarões na abertura da Copa de 1990.
Para colocar em prática o Fútbol para Todos, o governo comprou os direitos de transmissão da AFA, dirigida pelo controverso Julio Grondona, que ainda acumula o cargo de vice-presidente da Fifa. Empossado em 1979, o dirigente remete ao Mundial disputado no ano anterior e largamente explorado pelo governo militar, então comandado por Jorge Rafael Videla. A vitória do time treinado por César Menotti dentro de casa deu sobrevida ao regime, finalizado apenas em 1983.
"Se a seleção perdesse, a ditadura teria durado bem menos. Acredito que o título contribuiu para dar força e consenso ao regime militar. O triunfo no Mundial foi apresentado como um triunfo dos argentinos frente ao complô estrangeiro dos que diziam que havia violação de direitos humanos no país, o que originou o slogan ‘somos derechos y humanos’. Poucos foram os governos autoritários que resistiram à tentação de se aproveitar do esporte", disse Bohoslavsky, especialista na história das direitas de Argentina, Chile e Brasil.
Coincidentemente, o Estádio Monumental de Núñez, palco do primeiro título mundial da Argentina em 1978, fica perto da Escola de Mecânica da Armada (Esma), uma espécie de Dops local, usada pelo antigo regime para torturas e assassinatos. Em 2004, o então presidente Néstor Kirchner, ex-militante de esquerda, determinou a retirada dos quadros dos ditadores Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone do local em uma medida de alto valor simbólico.

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