quinta-feira, 13 de março de 2014

Janjão Pimentel: Quando ela pisa a passarela

Janjão Pimentel: Quando ela pisa a passarela

Ao assistir ao desfile da Portela na segunda de Carnaval, me emocionei profundamente

O DIA
Rio - Desde muito menino eu adorava o Carnaval em todas as suas manifestações. Gostava dos bailes infantis em clubes, adorava qualquer batuque de rua e decorava de ponta a ponta os discos das escolas de samba dos meus pais. Minha mãe Maria, uma autêntica foliã até os dias de hoje, sem saber, me deu o empurrão definitivo para os braços de Orfeu. O ano era 1983. Minha mãe havia desfilado na Portela, sua escola de coração, mas, no Desfile das Campeãs, ela teve algum probleminha de saúde e eu acabei herdando uma fantasia que, mesmo depois de alguns ajustes, sobrava em mim. Fui com umas amigas dela e guardo algumas boas recordações desta estreia no apagar das luzes dos desfiles da antiga Sapucaí, que no ano seguinte ganharia o Sambódromo.
Me emocionei com a Caprichosos, última colocada em um desfile trágico por conta da chuva e que teve o direito de voltar nas campeãs para cumprir seu papel falando da culinária brasileira. O ano teve bons sambas como ‘Eles Verão a Deus’, da Unidos da Ponte, ‘A Grande Constelação das Estrelas Negras’, da Beija-Flor, e ‘Como Era Verde o Meu Xingu’, da Mocidade, entre outros. A Portela também vinha com um ótimo enredo: ‘A Ressurreição das Coroas’. Com o samba na ponta da língua, aliás, todos, fui para a concentração, arrepiado com o esquenta da bateria e, principalmente, ao ver Clara Nunes, a Mineira, a Guerreira, na minha frente. Não sei se por conta da imagem curiosa de um pirralho com aquela fantasia mal-ajambrada, boquiaberto por tudo o que acontecia ao redor, mas o fato é que ela se aproximou, perguntou meu nome, fez um carinho na minha cabeça e foi embora defender as cores da Azul e Branca. Foi a primeira e última vez que eu vi a minha sambista predileta. A história todo mundo sabe. Alguns dias depois ela foi internada para fazer uma operação de varizes e acabou morrendo em decorrência de um choque anafilático.
Lembro que a Portela entrou na Avenida com os gritos de “É campeã” e que a escola, revoltada com o vice-campeonato, se arrastou na Avenida, atrasando o desfile da vencedora Beija-Flor. Desde então, passei a me definir como um portelense. Legal, assim como João Nogueira, outro ídolo, Flamengo e Portela.
Bem mais tarde é que eu fui entender o que era ser portelense. O convívio com grandes amigos do samba como Noca da Portela, Wilson Moreira, Zé Kéti e, principalmente, componentes da Velha Guarda da escola como Monarco, Guaraci, Argemiro, Tia Surica, Tia Eunice e Osmar do Cavaco, pai do atual presidente Serginho Procópio, me fez ser portelense de verdade. O amor que estes artistas nutriam pela Portela era algo grandioso, atemporal, que fez com que a escola sobrevivesse a décadas de desmandos. E eu me apaixonei pela Portela. Cheguei a disputar um samba-enredo, a convite do Noca, parceiro meu em blocos como o Simpatia É Quase Amor, mas isso é outra história.
Ao assistir ao desfile da Portela na segunda de Carnaval, me emocionei profundamente. “Nunca me senti tão perto da Portela dos tempos atrás”, diz um samba antigo do Monarco. E o mestre havia me confessado, logo que assumiu a presidência de honra da escola, que a agremiação reassumiria o seu lugar de protagonista nos desfiles. Quando vi a Portela fazer um desfile emocionante, com um belo samba, que contagiou seus integrantes, lembrei dos meus amigos portelenses. Estava tudo no lugar. A comissão de frente irrepreensível, a velha guarda bem posicionada, a bateria, a Tabajara do Samba, perfeita.
Mas teve jurado que entre a modernidade e a tradição optou pela novidade, quando o justo é achar um espaço para o antigo e o novo no Sambódromo, porque um não vive sem o outro. Mas fazer o que quando um jurado da Série A, por exemplo, dá nota 9,6 para ‘Os Sertões’, da Em Cima da Hora, apenas um dos melhores sambas-enredos da história? Quais os critérios?
A agremiação teve nota ruim na comissão de frente e foi perdendo, sistematicamente, um décimo aqui, outro ali. Assim, o sonho de um campeonato ficou distante. Mas a Portela deu um belo passo para voltar a ser a grande escola de Paulo, de Paulinho, de Candeia, de Monarco e tantos outros. Não se conserta tudo de uma só vez. Talvez demore um pouquinho, mas vai chegar a hora em que os jurados voltarão a pensar duas vezes antes de tirar uns pontinhos da minha querida Portela.

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