terça-feira, 24 de setembro de 2013

Milton Cunha: Magali e os gansos

Milton Cunha: Magali e os gansos

Não há diálogo entre o cidadão lesado e o Estado, a não ser pelas vias de um processo, demorado e caro

O DIA
Rio - O velhinho cambaleante foi entrando no estúdio do poderoso Roberto Canazio. Destes senhorzinhos adoráveis, cabeça branca, olhar desprotegido, um vovô que dá vontade de abraçar e dizer: “Fala, meu velho!” Pois foi o que o grande comunicador fez. E deu-se o silêncio, o olhar marejado pelas lágrimas. A criatura travou porque a história que ele ia reviver dói muito, e ele precisava de um fôlego para voltar àquela manhã de março, quando passeava pelos jardins do Museu da República e foi atacado por um ganso tresloucado, cuja ferocidade jogou-o ao chão, de costas, quebrando-lhe uma vértebra.
Acamado, sem parentes, dependendo da bondade de conhecidos, passou meses remoendo o descaso com que fora tratado ao tentar ser socorrido pelos seguranças no dia da queda. Como se isto não bastasse, mandou um e-mail para o museu, queixando-se, e recebeu uma resposta- padrão, lamentando o ocorrido e desejando melhoras.
Só que a aposentadoria não está dando mais para segurar os gastos com medicamentos e táxis; ele, na pindaíba, procurou o programa. E como Canazio é movido por intuição e compaixão, pediu que a produção ligasse para a diretora do museu, que prontamente atendeu.
E contou sobre como os gansos estão provocando um racha: parte quer que eles sejam mandados para outro lugar, parte exige que os gansos fiquem convivendo com os tantos velhos e tantas criancinhas que vão brincar naquele maravilhoso jardim. Como a reportagem não era o destino dos gansos, Canazio perguntou o que ela poderia fazer para ajudar o velho, que ali estava limitadíssimo para a vida saudável que tinha antes da ‘gansada’. Foi quando Dona Magali relatou que dinheiro ela não tem, porque o dinheiro da Cultura é curtíssimo.
Canazio rebateu que não falava de dinheiro, pensava em uma vaga na fisioterapia de um hospital, talvez uma ajuda no transporte. “Mande ele abrir um processo contra o Estado, e vamos ver o que o Ministério Público dirá. Quem sabe ele não consegue alguma coisa de ajuda....”
A incredulidade, a falta de tato, o descaso. Não há diálogo possível entre o cidadão prejudicado e o Estado, a não ser pelas vias de um processo, demorado e caro. Então tá. Que o velho se lixe, que vá buscar os direitos nas raias de um tribunal. Foi o que lhe sobrou, depois da bicada do ganso: a bicada da burocracia. Ao desligar o telefone, o velho estava arrependido de ter tentado aquilo tudo, porque Magali encerrou com a seguinte frase: “O senhor está me causando um problema muito maior do que estes gansos.”
    Tags: Opinião

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