segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Karla Rondon Prado: Mais um na multidão

Karla Rondon Prado: Mais um na multidão

É estranho quando você é mais um e a visão é ampliada. Do geral para o particular, somos menos significantes

O DIA
Rio - Uma vez, na faculdade, o professor de Filosofia falou que adorava varrer a casa, porque ia olhando o pó, o que ia varrendo pelo chão, e se pegava pensando em cada montinho de poeira como se fosse um indivíduo e ali ia reunindo pessoas e vendo o quanto são diferentes. Ele estava se abrindo, embora pouca gente da turma tenha captado a mensagem. De repente, estavam reunidas na pá e, pow, voavam para a lata de lixo. Todos com o mesmo fim e existência semelhante.
Quando a gente se pega na mesma situação que estranhos — não se destaca porque todos são iguais e estão na mesma condição —, é desconhecido, novo. Todos somos grãozinhos de poeira. Saia do seu contexto e do seu círculo familiar, ou de amigos, colegas de trabalho, e faça um teste. Vá a um restaurante do outro lado da cidade, frequente outro salão de cabeleireiro, experimente um curso para casais ‘grávidos’. Dentre outros 30 pares, com 15 gestantes como você, o mundo parece ser o que ele realmente é: um recipiente, uma pá, com pozinhos iguais.
Se chegarmos em outro planeta, todos os outros seres nos parecerão iguais. No que somos diferentes? Cada um com sua história, ninguém mais importante que o outro, a pessoa sem nome, sem sobrenome, sem identidade muito definida, praticamente superficial, e vivendo o mesmo momento especial que você: o seu não é mais especial que o dele.
Pergunte quem eu sou e eu entendo como o meu nome e o que eu faço. Quem é você? Certamente você me dirá “sou fulano, trabalho com não sei o quê”, mas não foi o perguntado. Foi quem é você de verdade, sem os rótulos que nos dão identificação na prateleira. É estranho quando você é um estranho, quando é mais um e a visão é ampliada. Do geral para o particular, somos menos significantes. Ninguém sabe sua profissão, nem está interessado em saber. Não importam seus feitos, suas conquistas, do que você é capaz.
Não andamos representados por um chip com todas as informações, não temos manual com modo de usar para resumir tudo que somos e mostrar nossa grandeza numa vivência de grupo. Por isso, podemos nos apresentar em pequenos gestos. Um sorriso dado, uma mudança de postura, uma frase com a qual se define. Ninguém forja personalidade como no Facebook, ninguém é importante por isso ou aquilo. Somos mais do mesmo, farinha do mesmo saco.
Recolhermo-nos à nossa insignificância é um exercício necessário de humildade. Como se pudéssemos começar de novo. E isso pode ser muito bom.
    Tags: Opinião

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