quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Fernando Molica: O namoro na grade da Prefeitura

Fernando Molica: O namoro na grade da Prefeitura

Ninguém teria o direito de interromper aquele amasso entre os dois colegiais

O DIA
Rio - A foto, feita pela repórter Luisa Bustamante, era para o ‘Informe do DIA’, mas a reboquei para esta ‘Estação’. Não resisti à imagem, à observação discreta das carícias de dois adolescentes que, no último sábado, se apertavam contra as grades da sede da prefeitura.
O namoro na grade da Prefeitura
Foto:  Luisa Bustamante / Agência O Dia
O enquadramento, que isola o casal no canto esquerdo, estabelece uma cumplicidade com os personagens e faz um contraponto à lógica de exposição total e absoluta que marca o nosso tempo. A distância respeita a intimidade dos namorados, cria uma solidariedade com seus sentimentos — na certa, achavam que estavam isolados do mundo, só eles existiam.
Imponentes, as árvores que emolduram e dão ritmo à cena também exercem o papel de guardiãs. É como se, alinhadas, se preparassem para dar um passa-fora em eventuais enxeridos. Ninguém teria o direito de interromper aquele amasso entre os dois colegiais.
Na foto, eles não se beijam. Encostada na grade, a jovem envolve o pescoço do garoto. Ele, meio tímido, limita-se a colocar as mãos na cintura da menina. Não dá pra ver, mas é justo admitir que, em meio ao afeto e o desejo, ambos sorriam. Estavam felizes pelo encontro, pelo drible aplicado nos colegas na hora da saída, nos pais que os esperavam para almoçar. Driblaram, quem sabe?, até mesmo seus respectivos namorados. A busca por um local inusitado — tão exposto e, ao mesmo tempo, tão protegido (quase ninguém passa por ali nos fins de semana) — permite admitir algum grau de clandestinidade na situação.
Pelo abraço meio sem jeito é possível supor que aquela tenha sido a primeira vez que o rapaz e a moça ficaram. Neste caso, o verbo “ficar” dispensa a palavra “juntos” e qualquer outro complemento. Apenas fixa a ação, não estabelece um passado nem um futuro para aqueles dois, tem compromisso apenas com o instante da imagem. Um momento que, de tão exclusivo — pertence àqueles jovens —, é também de todos os que já ficamos eufóricos e felizes ao protagonizar situações semelhantes, quando o mundo parecia girar ao nosso redor.
Fernando Molica é jornalista e escritor | e-mail: fernando.molica@odia.com.br

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