segunda-feira, 1 de julho de 2013

Karla Rondon Prado: Ensaio sobre a surdez

Karla Rondon Prado: Ensaio sobre a surdez

Se eu falo ‘não quero errar’, o subconsciente registra ‘errar’, e aí já era. É se concentrar no que não se deseja

O DIA


    Rio - Numa época em que eu tinha mania de ler estudos de neurolinguística, meu ‘momento Lair Ribeiro’ (alguém se esquece do autor celebrado nos anos 90 e que foi colunista de sucesso do DIA?), aprendi que a palavra “não” não tem força e é uma das que a gente mais escuta na vida. Lembro-me do exemplo: quando alguém vai à padaria e você pede “não esquece o leite!”, qual a primeira coisa que a pessoa esquece? O leite. Pode pensar e pode rir. Não é verdade?
    O assunto de uma frase negativa não é o “não”, o inconsciente é mais direto e omite os “nãos”. Segundo o médico best-seller, se eu falo “não pense numa maçã!” o exemplo é ainda mais claro. Já é tarde demais para que não tenha vindo à sua mente a imagem de uma maçã. Ou seja, se eu falo “não quero errar”, o subconsciente registra “errar”, e aí já era. É se concentrar no que não se deseja. Isso não é autoajuda, é científico. Nunca esqueci esse exemplo, que me ajudou com questionamentos internos e a melhorar a forma de me comunicar com o mundo, a tentar usar a linguagem certa.
    E isso tudo, que já era automático, veio à minha cabeça agora por outra situação: a percepção de que, independentemente do que você fale, tem gente que não escuta mesmo. Você pode falar o que for que a pessoa do outro lado não ouve uma palavra sequer e responde o que ela já estava programada para falar. “Oi, fulano, tudo bem?” E a sua resposta pode ser “estou mal, de cama, matei uma velhinha”, que o interlocutor responde: “Então, queria combinar se você pode ir comigo não sei onde porque eu blá-blá-blá” e começa a falar de si, sem ter escutado uma vírgula sequer do que você falou. Isso é cada vez mais comum, e fico impressionada com a capacidade da pessoa de não enxergar diante do nariz, além de seus próprios interesses. O egocentrismo e o egoísmo são tão grandes que o mundo pode acabar, que o outro vai estar “ó, vida, ó, azar, onde estão os meus pertences?” Protesto já! Todos querem ser ouvidos, mas, como diz a música, “eles estão surdos”.
    Você explica que está sem tempo, e o outro quer atenção, a hora que ele quiser, não importa o seu tempo (a sua falta de). Se você tem um segundo, doe-o para mim imediatamente. É como Roberto Carlos escreveu na letra de ‘Todos estão surdos’, dos anos 70: “Tanta gente se esqueceu que a covardia é surda e só ouve o que convém... Mas, meu amigo, volte logo, vem olhar pelo meu povo. O amor é importante. Vem dizer tudo de novo”.
    Não vou me cansar de bater na mesma tecla, correndo o risco de passar por reclamona: tudo que está aí hoje é fruto da incapacidade de comunicação do ser humano. Vamos parar para ouvir?
    E-mail: karlaprado@odia.com.br

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