Rio -  Mais que a visão de cada componente, uma bateria tem em seu conjunto um grupo de fatores que, juntos, formam uma grande essência do Carnaval. O rufar dos tambores e o trincar dos agogôs se únem em prol da maior característica sonora do grande espetáculo, mas nem sempre tudo é simples.

Para os mais envolvivos, o maior conflito geral fica sempre no embate entre ritmo e paradinhas. O gosto pessoal pela marca registrada do estilo se diverge com as inovações os apelos pelas novidades das bossas e o fato é visto de diversas maneiras pelos mais integrados com o dilema.
Em 2013, Bateria da Mangueira alternou ritmo e paradinhas | Foto: Ricardo Almeida / Divulgação
Em 2013, Bateria da Mangueira alternou ritmo e paradinhas | Foto: Ricardo Almeida / Divulgação
Aposta na inovação

Ninguém menos que o herdeiro do precurssor. Filho do saudoso mestre André, da Mocidade, Andrezinho desempenha atualmente a função de presidente da Não Existe Mais Quente, que é comandada pelos mestres Dudu e Bereco. Mesmo com a busca pela manutenção de toda a essência rítmica da escola de Padre Miguel, os comandantes sabem da necessidade da constante renovação no trabalho. No entanto, o interessante fica pela junção de passado e presente, quando a paradinha, criação do lendário mestre André, é a grande aposta para o cenário contemporâneo.
Andrezinho admira utilização de paradinhas | Foto: Divulgação
Andrezinho, da Mocidade, admira utilização de paradinhas | Foto: Divulgação
"No atual formato do Carnaval, as paradinhas fazem parte do espetáculo. Existe um certo excesso, até mesmo uma quebra rítmica em alguns casos, mas é muito importante elas estarem presentes, passaram a fazer parte do Carnaval. É possível optar por um bom ritmo e escolher na presença intensa ou não das bossas, mas é algo que criou uma grande valorização. Mas precisamos ter cuidado, temos um problema muito grave com o som da Sapucaí, esse fato até nos atrapalha um pouco", disse Andrezinho que ainda ressaltou a dúvida sobre a reação dos julgadores e até mesmo do público para a ausência das famosas paradinhas durante o desfile.

"Não sei como seria a recepção de uma apresentação reta, sem as bossas. O próprio público espera por isso, eles querem a presença. É uma grande inovação. Sou totalmente a favor da presença e não sei como seria a visão externa para um desfile reto, apenas com a apresentação do bom ritmo. Está tudo meio que regrado, não imagino como seria o entendimento dos jurados e do público", refletiu.

"Gosto muito do estilo de paradinhas que possuam relação com o enredo da escola. Junto ao Bereco e ao Dudu, decidi que iriamos apostar neste fator agora. Em 2013 deu certo, usamos a grande veia rítmica do Rock in Rio trabalhando e executando bossas de funk, rock, reggae, timbalada e até mesmo uma paradinha com a presença de uma guitarra. Acho muito válido ter esta ligação, é o tema que está sendo abordado", acrescentou.



Foco no ritmo

Enquanto Andrezinho exalta a importância atual das paradinhas, mestre Celinho não vê o fato da mesma forma. Mesmo concordando na necessidade do 'bom ritmo', os comandantes divergem de opinião quando o assunto é a grande 'necessidade' da inovação. Reconhecido até hoje pelo grande trabalho construido, principalmente na Unidos da Tijuca, Celinho foi claro ao revelar o gosto primordial pela sustentação básica, deixando as inovações como os verdadeiros detalhes.
Celinho prefere foco intenso nas questões do ritmo | Foto: Alex Nunes / Divulgação
Celinho prefere foco intenso nas questões do ritmo | Foto: Alex Nunes / Divulgação
"Durante todos os anos de trabalho, sempre priorizei mais as questões de ritmo e cadência numa bateria, meu foco sempre foi esta preocupação. Com a mudança de regulamento e até mesmo de costume, a criatividade e versatilidade passou a ser algo muito pedido no Carnaval. Atualmente, algumas baterias estão esquecendo um pouco da questão rítmica para focar apenas com os demais detalhes, seja paradinha ou até mesmo coreografia. Não gosto muito desse ponto de vista. Para mim, o ritmo tem que ser sempre o foco principal, as bossas são os detalhes. Precisa ser feito, mas também é necessário trabalhar a nossa base", disse Celinho.

Ainda sobre a questão da espera do público e até mesmo do espetáculo pelas paradinhas e coreografias, o mestre ressaltou um tópico bastante polêmico: O que é realmente mais importante no conjunto de uma bateria?

"Em alguns momentos eu paro para me perguntar, será que estão julgando a criatividade ao invés do ritmo? Não é difícil ver uma bateria ser penalizada pela 'falta de criatividade', mas será que isso não seria um gosto pessoal? Vendo assim, acho que é preciso parar e pensar que nosso objetivo principal é fazer um bom ritmo, mesmo com o apelo pelas demais questões", ressaltou.



Soluções em prol do conjunto

Enquanto uns preferem o 'lado A', outros vão sempre gostar mais do 'lado B'. O conflito entre as preferências por ritmo ou bossas é um assunto que sempre estará em pauta no mundo das baterias. Entretanto, o veterano mestre Paulinho busca um meio termo como solução. Conhecido pelo status de 'colecionador de notas 10', principalmente nos tempos de Beija-Flor, o sambista deixou claro a preferência pelo ritmo, mas afirmou que sempre há uma boa maneira de se unir o útil ao agradável.
Paulinho admite gosto por paradinhas que colaboram com a escola | Foto: Diego Mendes / Divulgação
Paulinho admite gosto por bossas que somam com o grupo | Foto: Diego Mendes / Divulgação
"Acho importante existir a presença da paradinha, a partir do momento que se mantenha o bom ritmo e não atrapalhe o andamento da escola. Ela pode vir a trazer muitos benefícios para o conjunto geral de uma agremiação, principalmente na parte do canto e da dança. No entanto, é preciso ter calma para se realizar este tipo de trabalho, é preciso manter todo um padrão de apresentação qualificado para que você esteja sempre colaborando com a escola, evitando qualquer tipo de deslize que possa vir a prejudicá-la", disse Paulinho, que ainda comentou uma questão bastante polêmica nos parâmetros atuais.

"Antigamente, o foco maior numa bateria era o ritmo apresentado mas, de um tempo para cá, foi implantada esta observação para a questão da criatividade. É um fato que vem gerando uma certa polêmica, pela questão da maneira de julgamento e etc, e há uma diferença. Há alguns anos, apenas Mocidade e Ilha tinham essa característica de criação, mas o que vem a ser este tópico afinal? Cada jurado acaba utilizando seu ponto de vista para analisar a apresentação e, às vezes, acabam se contradizendo. O espetáculo é maior, temos que valorizar", acrescentou.



Falar de bateria nunca é fácil. Estudar todos os elementos que formam este grande show, muito menos. Mas a tendência é sempre esta. Dos atabaques pioneiros até mesmo os famosos 'miúdos' presentes apenas de maneira ocasional, as coisas vão se modificando cada vez mais. Com as constantes transições presentes no mundo do samba, é quase impossível manter o mesmo padrão de trabalho.

As adversidades e os diversos fatores que influenciam na tendência de desejos do grande espetáculo nem sempre precisam ser vistos de maneira negativa. O mais valioso é o samba, a musicalidade e o ritmo irão sempre se unir em prol do mesmo momento. O grande show musical vai muito além da trajetória da Sapucaí, ele voa alto, plaina no ar e se mantém vivo. Dos primórdios atabaques aos contemporâneos tamborins. Chega o fim da linha, mas não o fim da história.
Especial Bateria: Vertentes em duelo | Foto: Divulgação
Especial Bateria: Vertentes em duelo | Foto: Divulgação