Rio -  Durante quatro meses, Thiago Mendonça mudou de nome e passou a ser Renato. Assim ele era chamado na frente e atrás das câmeras do filme ‘Somos Tão Jovens’, que entra em cartaz no início de maio, retratando na tela a vida de Renato Russo, antes de ele explodir com sua Legião Urbana. E para ser o músico, Thiago partiu do zero. Ele não sabia cantar nem tocar. “A minha relação anterior com música era de ouvinte”, assume o ator.
A turma do Planalto | Foto: Divulgação
A turma do Planalto | Foto: Divulgação
E o que era apenas escutar se tornou um aprendizado e uma paixão. Na rotina diária de 9h às 18h, no estúdio do produtor musical Carlos Trilha, o ator pegou pela primeira vez num baixo. “Ensinei para ele o Mi e o Fá, e na tarde daquele mesmo dia ele já estava nosite ‘Mercado Livre’ comprando o instrumento”, lembra Carlos. Se ouvir os primeiros acordes assustou Thiago, quando ele reconheceu sua voz em ‘Ainda é Cedo’ ficou surpreso. “Pensamos até em fazer com um cover e depois dublar, mas eu achava que o Thiago podia cantar. Um dia, gravei sem ele saber. Quando ele escutou, falou: ‘Sou eu? Isso foi gravado agora?’”, conta Carlos.
Como uma esponja, Thiago absorveu o universo do vocalista do Legião Urbana. No quarto de hotel em Brasília, até o espelho era rabiscado com frases do músico e as paredes, cobertas com pôsteres. “Eu era o terror das camareiras, que só entravam no meu quarto para trocar o lençol”, diverte-se Thiago. A porta estava sempre aberta, disponível para o elenco e para a equipe técnica. “Nós nos reuníamos lá, ficávamos tomando vinho e tocando”, conta Laila Zaid, que vive na história a melhor amiga e a personificação das três namoradas de Renato. Nessa turma estava também Nicolau Villa-Lobos, que vive o pai, Dado, no longa. A união era tanta que foi criada a FSTJ (Família Somos Tão Jovens). “Esse é um filme de turma. Ela era o motor do Renato, o amor dele era a turma e a música”, analisa o diretor Antonio Carlos da Fontoura.
Os encontros no estúdio e no quarto de hotel, a convivência diária e a total integração foram fundamentais para que ‘Somos Tão Jovem’ desse certo. Ninguém escapou, nem mesmo o câmera Will Etchebehere, conhecido por ser especialista em filmar cenas de movimento. “O Will foi fundamental. Tinha horas em que ele grudava em mim para filmar sob o meu ponto de vista e tínhamos até que respirar juntos. Era um organismo só”, exagera Thiago.
E dessa forma foram filmadas as cenas dos shows, nas quais o diretor fez questão de não utilizar playback. “A ideia foi do Carlos (Trilha), que usou as mesmas técnicas de gravar shows para DVDs. Fiquei temeroso, perguntei para ele se os atores teriam que tocar tão bem quanto eles. E escutei como resposta: ‘Não, eles vão ter que tocar tão mal quanto eles’”, diverte-se Antonio Carlos.
Assim foram retratadas as primeiras apresentações de Renato Russo, de sua banda Aborto Elétrico, do Capital Inicial e de toda uma geração de músicos brasilienses que ficou conhecida como a Turma da Colina. “Eu queria fazer um filme onde ninguém vai dormir. Um filme jovem. Quando me encontrei com a mãe do Renato, dona Carminha, e falei para ela que ia filmar, ouvi: ‘Só não me faça o seguinte filme: de um roqueiro, homossexual, drogado que morre de Aids no final. Esse filme eu já vi e se chama Cazuza.’ Naquele momento, senti que estávamos em sintonia”, conta o diretor.
O Drama que ficou de fora
Com a ideia de fazer um filme jovem e para cima, Antonio Carlos da Fontoura assume que deixou de lado todo o sofrimento passado por Renato Russo durante sua adolescência. O músico sofria de uma doença degenerativa chamada epfisiólise, em que acontece o deslocamento do osso do fêmur da bacia. “Até filmei cenas nas quais desenvolvia mais isso, mas não era bom mostrar esse sofrimento. Ele tomando morfina, em cima de uma cadeira de rodas. Queria chegar logo na parte do rock”, diz o diretor, que reconhece ter sido nesse período em que Renato Russo forjou sua personalidade. “Foram oito meses na cadeira de rodas e duas operações, porque o pino que colocaram na primeira atravessou o nervo ciático. O Renato ficou enclausurado e começou a se alimentar de música e de literatura. Em cima dessa cama é que nasce o mito”, admite Antonio Carlos.
Outra passagem que ficou de fora aconteceu ainda no início da carreira do Legião, quando o vocalista ia gravar o primeiro disco da banda. “O Renato, aos 23 anos, cortou os pulsos, em casa, com a família presente. Depois disso, falou que não podia mais tocar”, lembra o diretor, que justifica a falta dessa história por ser uma fase posterior à que foi filmada.
Após percorrer toda a adolescência do cantor, o diretor sentiu falta de imagens do próprio Renato e resolveu resgatar um show dos primórdios do Legião Urbana. “Pesquisamos muito, porque só estávamos encontrando shows caretas, gravados para TV. Até que encontramos no YouTube imagens de uma apresentação em Volta Redonda (RJ). Fomos atrás e descobrimos que foram feitas pelo Arthur Fontes, que hoje faz parte da Conspiração Filmes. É uma das poucas imagens em que Renato está sorrindo no palco, sendo ele mesmo”, conta Antonio Carlos.
O longa traduz esse mito que alimenta fãs de diferentes idades até hoje. “Minha neta, de 12 anos, gosta do Renato Russo. O fenômeno, que percebi desde o início, é que ele se tornou algo especial para os jovens que estão em fase de transição da adolescência para a idade adulta”, analisa Antonio Carlos.
“Estamos em 2013, Renato partiu em 96, mas como ele diz muito ainda. Quando comecei a cantar ‘Que País é Esse?’, tive vontade de montar um palanque. Ele já deu o verbo, cabe a nós dar a voz. Que essas palavras e tudo o que ele nos deu permaneçam”, espera Thiago Mendonça.