Rio -  Entre pratos e bandejas, saladas e chopes, entre um freguês e uma gorjeta, um avental e sobremesa, estão garçons cheios de histórias para contar. Encontrados em casas tradicionais da cidade, como o Nova Capela e o Bar Brasil, eles já viram de tudo. E confessam: “Somos um pouco psicólogos”.
O autor da frase acima é o Chico, batizado, há 76 anos, como Francisco Casas Casal. O espanhol bonachão não perdeu o sotaque mesmo depois de 57 anos em terras brasileiras. Ele bate ponto no célebre Bar Brasil, na Lapa, onde trabalha há 52 anos. “Meu médico me agradece até hoje por ter conhecido a esposa aqui. Ele nem me cobra mais consulta”, comemora Chico. Ele lembra da vez em que um velho amigo, o jornalista Fernando Leite Mendes foi convidado para uma premiação de gala no Theatro Municipal e precisou de uma ajudinha.
O espanhol Chico, há 52 anos pilotando a bandeja no Bar Brasil, na Lapa: ‘Meu médico me agradece até hoje por ter conhecido a esposa dele aqui’ | Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
O espanhol Chico, há 52 anos pilotando a bandeja no Bar Brasil, na Lapa: ‘Meu médico me agradece até hoje por ter conhecido a esposa dele aqui’ | Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
 “Ele não conseguiu achar uma gravata borboleta para usar com smoking e passou aqui. Pegou a minha emprestada e foi para a festa”, conta o espanhol, que ficou sem a gravatinha até o fim do dia.
Romeu, Caetano, Baiano. Édio Simões, garçom do Nova Capela que nunca faltou um dia ao trabalho coleciona apelidos. Com seu paletó branco e engomado, do qual muito se orgulha , já soma 66 anos de vida e 45 de bandeja.
No fim da década de 60, viu o salão vazio do Capela encher de estudantes de Direito de uma só vez. “Ao fim da refeição, um deles subiu na mesa e fez um discurso de agradecimento. Depois, foram saindo, um por um, sem pagar a conta. A gente ia fazer o que?”, se diverte Édio, sacramentando uma das suas filosofias da profissão: “De presidente a funcionário, aqui eu trato todo mundo igual”.
Uma das histórias folclóricas do Nova Capela é a do garçom Adão de Figueiredo, já falecido. Ele, que trabalhou 50 anos na casa, se aposentou milionário, após sua mulher receber uma herança.
O atual gerente do restaurante, Amaro da Silva, diz que ele foi o melhor de todos, com uma memória infalível, fruto das horas de folga dedicadas as seu passatempo predileto: palavras cruzadas.
Aliança de casamento no cardápio
Paulo Gomes, de 32 anos, é filho da proprietária, mas já serviu muito os fregueses do Bar da Portuguesa, em Ramos. Nascido e criado entre as mesas do famoso boteco, ele já viu de tudo, até pedido de casamento.
“O rapaz me pediu para levar a aliança na bandeja, como se fosse um salgadinho. Quando eu cheguei disse: ‘ Está aqui o seu pedido’. Ele ajoelhou e fez a proposta. Todo mundo no bar aplaudiu”, narra Paulo, que quando criança tirava sonecas no berço montado num canto do bar.
MANDAMENTOS
1 - Amarás a profissão de garçom.
2 - Não ficarás de ‘butuca’ na conversa do cliente com os amigos.
3 - Serás bem limpo e arrumado.
4 - Atenderás a todos os fregueses com um belo sorriso.
5 - Entenderás o perfil do cliente.
6 - Não oferecerás o prato mais caro logo de primeira.
7 - Deixarás o freguês à vontade.
8 - Serás atencioso.
9 - Darás sugestões certeiras.
10 - Aceitarás o fato de que que o cliente tem sempre razão.