Rio -  Quem vê Angel Vianna subindo dois lances de escada e alongando o corpo numa sala de sua escola de dança, em Botafogo, fica impressionado com a vitalidade da bailarina e coreógrafa mineira de 84 anos. Referência na dança contemporânea no Brasil, apesar de não se apresentar mais com frequência, ela prepara uma surpresa para a festa de abertura do Festival ‘O Boticário de Dança’, na próxima segunda-feira, no Teatro São Pedro, em São Paulo. Homenageada do evento, que trará grupos nacionais e estrangeiros, com apresentações na capital paulista (de 1º a 6 de maio), no Rio (de 4 a 8, no Theatro Municipal, com ingressos a partir de R$ 20) e em Curitiba (de 7 a 9), Angel está sempre desafiando seus limites.
Com mais de 80 anos, dançarina mostra flexibilidade | Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
Com mais de 80 anos, dançarina mostra flexibilidade | Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
“Me acho mais jovem de cabeça. Nunca me preocupei com idade, não penso na morte, nem em parar. Sempre trabalhei com o corpo, estudei anatomia, dancei, dou aulas. Se a gente conhece o nosso corpo, dá mais atenção a ele. Acho que isso se refletiu na minha saúde física e mental”, ensina a bailarina, que se surpreendeu com mais uma homenagem: “É uma mágica. Não esperava nada. Estou muito feliz”.
Viúva do coreógrafo Klauss Vianna, com quem foi casada por 37 anos, Angel dedicou grande parte dos seus 64 de carreira à pesquisa corporal. Desenvolveu um método próprio de dançar ao lado do marido, estudou anatomia e fez esculturas para entender melhor o corpo, criou grupos experimentais e cursos técnicos, até fundar sua própria escola, em 1983, e sua faculdade de dança, em 2001. Mas os primeiros passos no balé clássico, ainda no fim dos anos 40, em Minas Gerais, foram conturbados. Criada numa tradicional família mineira, de origem libanesa, ela enfrentou a rigidez moral e de educação do pai, que queria vê-la casada, com muitos filhos, bem longe dos palcos.
“Fui ousada, mas com delicadeza. Não briguei com ele, nem desisti. Fazia as aulas escondida. Mas, um dia, ele descobriu, porque a minha foto saiu no jornal. Meu pai levava muitos árabes, libaneses, para casar comigo. Mas eu dizia não, porque já tinha conhecido o Klauss”, conta ela, sempre bem-humorada, lembrando ainda que pensou em ser freira quando estudava num colégio interno em Belo Horizonte. “Eu via as freiras tão felizes ali dando aulas que achei interessante aquela vida. Fiquei muito ligada a Deus. Comecei a ficar com vergonha de botar as pernas de fora. Achava bonito o hábito que elas usavam”, comenta.
Mas se a igreja perdeu uma freira, a dança ganhou uma estrela. “A arte me salvou”, resume Angel. Como ela não se achava uma grande bailarina clássica, procurou outras formas de se expressar com o corpo. “Eu me sentia pequena, por isso queria ser grande em tudo o que fazia. Mas não dançava tão lindamente o balé como as outras. Me comparava com elas. Não me sentia bem. Foi então que pedi a um professor para criar um balé mais expressionista para mim”, lembra.
Para Angel, a dança é fundamental na educação e na saúde física e mental. “Luto para que as pessoas tenham um conhecimento mais profundo sobre seu corpo. Dança é vida. Quem gosta de dançar sabe que a dança pertence à própria existência humana”, diz a bailarina, que se orgulha de formar novos dançarinos ou profissionais que usam suas técnicas na medicina, como terapeutas corporais. “Não imaginava que minha carreira daria nisso. Sempre quis ter uma escola. Gosto de ensinar e ajudar os outros. Não vim ao mundo à toa. Acho que estou aqui para contribuir com as pessoas através da dança”.
Altos e baixos
A trajetória de Angel Vianna é marcada por conquistas, realizações e muitos prêmios. Mas a diva também sofreu grandes perdas, como a morte do marido, Klauss Vianna, em 1992, e a do filho, o bailarino e coreógrafo Rainer Vianna, em 1995. “Klauss tinha problemas cardíacos, mas abusava um pouco da alimentação”, conta.
Mal havia se refeito da perda do marido, a bailarina teve outro baque. O corpo do filho, de 37 anos, foi encontrado em uma praia, afogado, após dois dias desaparecido. “Quando Rainer morreu, eu fiquei arrasada. Tive que fazer terapia para aguentar ficar sem os dois”, revela a bailarina.
Na mesma época, ela buscou conforto com a família em Minas, mas fraturou a perna direita ao levar um tombo no supermercado. “Pisei no ketchup que estava no chão e caí. Fiz uma cirurgia e botei sete parafusos na perna”, lembra ela, que voltou ao Rio após se recuperar. “O Rio me abraçou”.