Rio -  Aos 43 do segundo tempo, o tricampeonato carioca do Flamengo parecia perdido. Mas naquele 27 de maio de 2001, Petkovic faria história no Maracanã. Num golaço de falta, o sérvio sacramentou a vitória sobre o Vasco por 3 a 1, na conta certa que o Rubro-Negro precisava para conquistar o título - o rival vencera o primeiro jogo por 2 a 1. Ele revela que, sufocado pelos companheiros na comemoração, pensou que iria morrer e viu um filme com a sua família passar pela cabeça, “igual ao Gladiador”, longa vencedor de cinco Oscars lançado nos Estados Unidos um ano antes.
Foto: André Mourão / Agência O Dia
Petkovic está eternizado no Maracanã | Foto: André Mourão / Agência O Dia
Um dos cinco estrangeiros na calçada da fama do Maior do Mundo, Pet declara seu amor pelo estádio e torce por uma final entre Brasil e Espanha na Copa do Mundo de 2014.

O DIA: Como é fazer história no Maracanã como estrangeiro?  

PETKOVIC: Eu era estrangeiro. Sou carioca agora.

E como carioca, o que o Maracanã representa na sua vida?

O Maracanã para mim é o maior palco, o mais impressionante, inspirador, onde é um sonho jogar. Os melhores momentos da minha carreira aconteceram no Maracanã. Eu me sentia em casa, mostrando ao público, fazendo o que me fazia feliz. Exercício, trabalhar, que é a minha paixão e ainda ser apreciado por tanta gente. Nada melhor do que um palco como o Maracanã onde tem o espírito, a energia do torcedor brasileiro, que é apaixonante, transmite para o jogador. Você se transforma, começa a tirar toda a sua energia para poder fazer o seu melhor possível.

Aquele gol sobre o Vasco foi o seu grande momento no futebol?

O momento mais marcante. Coincidiu que tivesse a falta, perto do final, minuto 43 do segundo tempo; resultado a favor para nós, 2 a 1, mas no placar total, numa final, em desvantagem; que tivesse esse momento, esse jogo, essa final, o tetratri; que eu batesse a falta; que a torcida acreditasse, passando energia, vibrando; que até os comentaristas do jogo no rádio e televisão falando que era o momento. Um deles falou de Judas chegando dos céus... Acho que também o pensamento positivo do lado do Vasco: 'Será que ele vai fazer esse gol'? Isso ajudou mais que essa energia descesse no gramado do Maracanã e naquela minha batida, transformar ela na trajetória implacável que o Hélton conseguiu somente tocar com ponta de luva na bola.

Para o torcedor parecia que o tri estava perdido...

Sim. Alguns não acreditaram mais. Recebi uns quadrinhos com a história do gol. Torcedor flamenguista narrando como abandonou o jogo. Viu nos bares, parou para assistir quando aconteceu o golaço. Ele prometeu a si mesmo que se faltasse cinco minutos, e o Flamengo precisasse de cinco gols, que nunca mais abandonaria o Maracanã.

A falta tinha cara de último lance. Você pensou nisso?

Pensei: ‘é agora ou nunca’. Me concentrei, imaginando por onde a bola teria que passar, por cima da cabeça do penúltimo homem da barreira, fazendo curva. Vieram os amigos, mas eu afastei todos. Eu não sentia vibração, o que estava acontecendo no Maracanã. Para mim era silêncio. Pensei que iria para fora, mas quando explodiu o Maracanã, corri como um maluco para a torcida e os bancos e me joguei para trás, caí nas costas, fiquei com dor uma semana. Para piorar, ou para alegrar a história, todo mundo pulou em cima de mim, comemorando e me sufocando. Pensei: vou morrer. Fiquei sem ar, passando o filme na cabeça, da família, igual ao Gladiador.

Ainda param você na rua?

É como se tivesse acontecido anteontem. Agora lá no Centro, numa reunião na Confederação Nacional do Comércio, um cara lá na garagem começou a narrar o gol. Ele memorizou tudo que o narrador tinha falado. Mexeu com muita gente e ficou para a história mesmo. Marcou uma década. E foi no início do novo milênio.

A falta era de longe, e o Beto, que chutava forte, já tinha saído. Você pensou em não bater direto?

Não era longe. Não era perto, mas eram 27 metros. Já tinha feito de mais longe. Mas é uma distância que às vezes não batia, deixava outro com chute forte. Mas não tinha quem batesse. Era pelo lado direito, eu já tinha feito gols parecidos. Tanto que dois meses depois, na Copa dos Campeões, contra o São Paulo, bati e fiz um golaço igual. E o Rogério Ceni não conseguiu pegar. E era mais longe. Eram 30, 32 metros. Por aí. Não foi sorte como falaram na época o Eurico Miranda e alguns. Logo depois fiz só para dizer que não era sorte.

Você chegou a ameaçar não jogar por causa dos atrasos salariais. Como superou isso?

Um amigo meu me convenceu de ir para o jogo. Cheguei à concentração depois da meia-noite. Graças a Deus ele me convenceu que eu estava jogando pela Nação, e não pelos diretores.

Como era o clima no vestiário no intervalo?

Engraçado. Eu sempre ficava concentrado com o Maurinho, lateral-direito, e ele tinha feito uma coisa no computador, um programa que você faz uma pergunta, e o programa responde. Ele disse: Aí ele fez: ‘Quem vai ganhar hoje?’. Deu a resposta: 'Camisa 10 fará a diferença'. Me sacaneando, né. E no intervalo, estava 1 a 1, e o Juninho (Paulista) tinha feito o gol do Vasco. Camisa 10. No intervalo falei para ele: 'Está vendo, o camisa 10 fez a diferença'. Ele me explicou que era mentira, que ele estava dando as respostas. Me animou de novo. Voltamos, e fiz uma grande jogada no segundo gol do Edílson, de cabeça. O lance ficou em segundo plano por causa do golaço no terceiro. Não era mentira, o camisa 10 fez a diferença.  

E em 2009?

Foi ano que se tivesse sido dirigido pelo Steven Spielberg não seria feito dessa maneira. Ano maravilhoso. Depois de jogar no Atlético-MG fiquei desempregado. Comecei a fazer o meu filme " O Gringo". De repente veio o Flamengo: 'Vamos conversar?'. Começamos no final de março e só fui apresentado primeiro de junho, um dia depois da tragédia da Air France. Mudou o filme. Não ia ser um documentário para cinema. Falei que íamos para a Libertadores. Foi melhor. Joguei muito e fomos campeões depois de 17 anos. Na Sérvia tem um Maracanã também, né? Um minimaracanã. Com K, porque é assim que escreve lá. Estádio lindo. É um pequeno Maracanã, construído 13 anos depois do grande Maracanã. Tenho dois Maracanãs no meu coração.

Você guardou um pedaço do Maracanã?

Uma pedra. Fui presenteado pela Secretaria de Esportes do Rio de Janeiro.

Calçada da fama?

Coroou a minha carreira. Fui o terceiro europeu que deixou lá os pezinhos, quinto estrangeiro, único que jogou no Brasil dos europeus, porque Eusébio e Franz Beckenbauer não jogaram aqui.

O novo Maracanã vai ter o espírito do antigo?

Com certeza porque foi reconstruído, reformado em cima. As pessoas vão encontrá-lo modernizado, mas lá dentro o gramado vai estar com o espírito de todos aqueles que jogaram lá. Imagina que os 333 gols que o Zico fez com o manto sagrado estão lá, o milésimo gol do Pelé, o gol de falta do Pet, que está entre os 10 mais bonitos no Maracanã está lá, os pezinhos de tanta gente... Acho mais do que justa a abertura com Brasil e Inglaterra e acho que seria mais que justo o encerramento da Copa de 2014 ser Brasil com outro (risos).

Você acha que o Brasil chega?

Não tenho bola de cristal. Eu estou torcendo. E que seja com a Espanha.

Ou com a Argentina do Messi?

Não. Eu gosto do Messi, craque, melhor do mundo, mas melhor não chegar. O Brasil já perdeu uma final de Copa do Mundo no Maracanã para um sul-americano. Então sul-americano já está dando azar. Deixa um europeu. Imagina o baixinho lá, o Lionel, se consagrar no Maracanã e ter que botar pezinho lá? Calma aê! Vamos colocar lá o do Neymar, do Fred...