Rio -  “Eu só quero é ser feliz/ andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é/ e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar”. A letra de ‘Rap da Felicidade’ é conhecida em todo o Brasil, até Roberto Carlos já cantou, mas seu intérprete MC Cidinho não acredita que os moradores de favelas possam ser felizes hoje em dia. Nascido e criado na Cidade de Deus, Cidinho, que se prepara para lançar ‘Conselho’, seu primeiro CD solo após se recuperar do vício do crack, concedeu uma entrevista para O DIA, na praça batizada com seu nome na favela.
'Me vejo como um exemplo para as crianças aqui da Cidade de Deus' | Foto: João Laet / Agência O Dia
'Me vejo como um exemplo para as crianças aqui da Cidade de Deus' | Foto: João Laet / Agência O Dia
“Vira e mexe tem confronto, mortes... A UPP só diminuiu a ostentação com as armas, e a quantidade de tiroteios entre bandidos e policiais. O tráfico de drogas continua, o morador continua desfavorecido. Não é com Caveirão que vai resolver. As comunidades precisam de escolas de música e teatro, de um posto de saúde decente, porque esta UPA que tem aqui na Cidade de Deus é a mesma coisa que nada. A comunidade não é mais enganada tão facilmente”, afirma ele.
MC Cidinho fez sucesso nos anos 90 ao lado de seu parceiro Doca, quando o funk começava a ganhar o país. Em 2007, com a utilização do ‘Rap das Armas’ (aquele do “Parapapapapapa”) no filme ‘Tropa de Elite’, Cidinho e Doca foram ‘ressuscitados’. Fizeram turnês pela África, EUA e Europa, com uma média de 60 shows por mês. Mas a parceria de 17 anos acabou em 2010, coincidentemente, a mesma época em que o vício de Cidinho piorou.
“Convivo desde jovem com o crack, sempre soube dos perigos, mas caí nessa armadilha. Foi a pior fase da minha vida. Perdi tudo: mulher, carro, família, dinheiro, amigos,respeito, moral... é muito difícil parar. Hoje minha vida é outra, ouvi conselhos de quem me ama e consegui me livrar do vício. É a pior droga que tem, dou palestras sobre o crack, conto minha experiência nas escolas. Eu preciso falar sobre isso”, revela o MC.
Cidinho também reflete sobre suas polêmicas composições antigas, os ‘proibidões’. “O ‘proibidão’ é um grito de socorro da comunidade. O Estado não quer que seja cantado, mas quem canta não é bandido, é quem vivencia essa realidade. No passado, cheguei a escrever letras sem pensar, mas amadureci. Minhas músicas novas são diferentes. Em ‘Papo Família’, por exemplo, falo de uma briga que tive com a minha família, eles estavam certos e eu, errado. Me vejo como um exemplo para as crianças aqui da Cidade de Deus. Cometi erros, mas se eles seguirem meu caminho não vão ser criminosos, e sim trabalhadores”, reflete Cidinho.
Bom conselho de MC Cidinho
Perto de completar 37 anos, MC Cidinho planeja lançar o disco ‘Conselho’, no dia 14 de julho, data do seu aniversário. Depois, ele embarca em turnê para Nova York. “Só vai ter músicas novas, dessa minha nova fase, mas com a mesma pegada política e social. Tudo já está gravado, a única coisa que falta é a capa. Depois desse CD, quero fazer o próximo apenas com sucessos antigos, os funks que eu compus na dupla com o Doca”, adianta empolgado MC Cidinho.
‘Conselho’ tem a participação dos funkeiros MC Mascote, Duda do Borel e Frank, que, assim como Cidinho, participaram da explosão do gênero na década de 1990.
Dar conselhos, aliás, é o que o MC mais faz na Cidade de Deus. Caminhando pelas ruas da comunidade, ele aparta brigas, dá broncas em meninos que se envolvem com os bandidos. “Aqui a família quem protege é a gente, não é a polícia”, diz.
O artista foi homenageado pela comunidade e, informalmente, uma praça da Cidade de Deus foi batizada com o seu nome. Isso se deu depois que uma obra aconteceu no lugar por influência de Cidinho.
Já a parceria com o MC Doca pode demorar a ser reativada. “Adoro o Doca, em todo canto que eu vou falo bem dele. Crescemos juntos aqui, somos amigos. Porém, quero seguir minha carreira sozinho”, conclui o músico.