Rio -  Descumprindo ordem judicial, o Governo do Estado e a Prefeitura de Teresópolis negam apoio a um jovem dependente de drogas, entregue ao vício e à própria sorte pelas ruas, depois de quase 30 internações.

Na tentativa de impedir que Carlos Vitor Rezende Oliveira, 26 anos, morra de overdose ou seja assassinado por traficantes, o juiz Márcio Olmo Cardoso, da 3ª Vara Cível da cidade, determinara dia 11 que o município, onde a família do rapaz mora, e o estado providenciassem a internação compulsória (contra a vontade) do jovem — que é de classe média e viciado desde os 12 anos em múltiplas drogas, até crack.
O padrasto, o médico Carlos Cézar, e a mãe, a dentista Eliane: angústia | Foto: Severino Silva / Agência O Dia
O padrasto, o médico Carlos Cézar, e a mãe, a dentista Eliane: angústia | Foto: Severino Silva / Agência O Dia
No mesmo dia 11, parentes o localizaram mendigando na Favela Nova Holanda, na Maré, depois de um mês sem contato, e o levaram, provisoriamente, para unidade de recuperação de alcoólatras. Mas o local, além de ser administrado pela Prefeitura do Rio, e não pelo Estado, não é adequado para seu caso.

“Ele precisa de clínica especializada em desintoxicação, com equipe multidisciplinar e estruturada para atender ao seu grave caso”, justifica a mãe, a dentista Eliane Ferreira Rezende, 54, que disse ter passado a semana toda ligando para representantes das secretarias de Saúde de Teresópolis e do Estado, tentando o cumprimento do mandado.

“Só obtive respostas irônicas. Senti um frio jogo de empurra. O município (serrano) e o Estado estão desrespeitando um ser humano que luta pela vida e desafiam a Justiça”, desabafa Eliane.

No mandado de citação e intimação, Márcio destaca ainda que os réus (Prefeitura de Teresópolis e estado) são obrigados a providenciar também transporte e medicamentos.
‘Cidade dos Zumbis’: Carlos Vitor foi mais um a perambular pelas cracolândias às margens da Avenida Brasil | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
‘Cidade dos Zumbis’: Carlos Vitor foi mais um a perambular pelas cracolândias às margens da Avenida Brasil | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Márcio levou em conta o desespero da mãe do rapaz e do padrasto, o médico Carlos Cézar Miranda, 66, que, afora a angústia, já gastaram mais de R$ 80 mil em 28 internações do filho em clínicas de reabilitação. O pai biológico, o empresário Carlos Oliveira, 42, também morreu em consequência de drogas.

De acordo com Eliane, no dia 11 o filho ligou pedindo dinheiro para se drogar. “O encontramos na Nova Holanda todo sujo e maltrapilho, pesando pouco mais de 50 quilos, apesar de ter quase 1,70 de altura. Ele, que sempre foi lindo, estava irreconhecível. Aceitou que o levássemos provisoriamente para uma unidade que tivesse vagacom uma condição: de se drogar primeiro, pois estava em crise de abstinência”, conta a mãe, que disse ter dado R$ 20 ao filho.

“Ele entrou na favela e comprou três cápsulas de cocaína. Uma ele cheirou na comunidade, outra a caminho da unidade de saúde e o último no banheiro de lá”, lembrou Eliane.

Jogo de empurra até para esclarecer como resolver problema de Carlos

Em seu despacho (688/13), Márcio Cardoso fixa multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento da ordem. O Serviço de Saúde Mental de Teresópolis alega que não tem como atender a Justiça por não possuir clínicas especializadas na cidade.

A assessoria da Secretaria Estadual de Saúde do Rio informou que o assunto competia à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Por sua vez, a Seasdh alegou que a responsabilidade é da recém-criada Secretaria de Prevenção à Dependência Química.

Comunicada pelo DIA, a assessoria da nova pasta, porém, não retornou as ligações e nem respondeu a e-mail pedindo informações sobre número de clínicas e leitos disponíveis atualmente através do estado e por que ainda não havia cumprido a ordem judicial.

Em 2011, quando conseguiu ficar longe das drogas em 14 anos, Vitor chegou a gravar vídeo emocionante para jovens. Veja o vídeo abaixo

5 minutos com: Carlos Vitor Oliveira - Entrevistado

Em um momento de rara lucidez, Carlos Vitor Oliveira, em entrevista ao DIA, falou, por telefone, sobre seu drama e do que espera.
Foto: Album de família
'Estou vivo por Deus. Só por milagre | Foto: Album de família
1. Seu estado de saúde é bastante grave. Tem consciência disso?
— Sim. Nunca tive tratamento adequado. As clínicas, em sua maioria, são depósitos de dependentes e fontes de votos para políticos que não estão nem aí para nós, dependentes. Pouquíssimas têm equipes multidisciplinares, que dão acompanhamento depois da desintoxicação. Apenas dormindo e comendo, vamos continuar morrendo aos poucos. Sou um dos reféns desse sistema perverso, que cobra até R$ 25 mil (em algumas clínicas particulares) por mês.

2. Como começou a usar drogas?
—Aos 12 anos, pela cilada do álcool, na ilusão de vencer a timidez. Depois vieram maconha, cocaína e, nos últimos quatro anos, o crack. Estava fumando até 15 pedras (de crack) por dia, regadas a um litro e meio de cachaça.

3. Sua família é bem estruturada...
—Sei do sofrimento que causo a meus parentes, além de mim mesmo. Ainda estou vivo por causa deles, por Deus, por milagre.

4. E dinheiro?
—Conseguia cometendo furtos e assaltos (ele responde em liberdade pelo furto de um carro em Itaboraí). Já saqueei minha própria casa e até um Peugeot meu foi depenado por traficantes da Favela Bandeira 2 (em Del Castilho) em troca de droga.

5.O que mais lamenta?
—De fazer pessoas queridas sofrerem e de ter chegado ao fundo do poço. De ter perdido tudo, o amor próprio, a dignidade. Virei morador de cracolândias, comendo restos de comida no lixo com outros mendigos e sofrendo agressões verbais e físicas (de criminosos e da polícia).