Nos quatro meses de 2006 em que acompanharam as conversas telefônicas dos "capos" da contravenção do Rio, os agentes da Polícia Federal presenciaram uma autêntica corte de inquisição, onde os chefes exerciam o papel de juízes e distribuíam prêmios para os carrascos.

Tudo sem interferência dos policiais, que assistiram o procedimento do júri da contravenção na morte de seis e no atentado à vida de sete pessoas, durante a Operação Gladiador.
O 'capo' Fernando Iggnácio, em uma das vezes em que foi preso | Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Dia
O 'capo' Fernando Iggnácio, em uma das vezes em que foi preso | Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Dia
Eram Fernando Iggnácio de Miranda e Rogério Andrade, chefes do cartel do caça-níquel da Zona Oeste do Rio e os principais alvos da investigação, quem apareciam dando a última palavra na hora de decidir o destino das vítimas.

A morte do cabo do Corpo de Bombeiros Carlos César Arraes Tavares começa a ser planejada no dia 30 de outubro 2006, quando Fernando Iggnácio discute com seu principal gerente, Ulisses Resende, o valor do prêmio a ser pago aos criminosos, que dizem ter também o sargento PM Michelle Aurélio Lo Mônaco na alça de mira.

Debochado, o capo do bicho diz que a dupla é pe-de-chinelo. Ao ser informado, no dia seguinte, que o "assunto foi realizado", diverte-se ao saber a quadrilha teve "sorte" e o trabalho foi realizado na dupla: cada um dos quatro matadores acabou recebendo no final R$ 2,4 mil. Carlos Tavares, ferido, sobreviveu.

Os mesmos matadores — liderados por Márcio Alex Oliveira Santos, o Dino, e André Luiz Raposo, o Shrek — já tinham conquistado outro "prêmio" de Fernando Ignácio pela morte de Manoel dos Santos Filho, o Manoel Marreta, que distribuia máquinas de caça-níqueis da quadrilha. Assassinado dia 21 de outubro, o homem teve sua morte tramada em inúmeras ligações telefônicas.

PF quis se eximir na Justiça

Os agentes da PF sabiam que era certo topar com corpos pelo caminho durante a operação. Tanto que pediram, na Justiça, a "ação controlada", medida para eximir de responsabilidade os agentes que deixem de agir em casos de crimes ocorridos durante a investigação.

Na Justiça, o delegado Tácio Muzzi disse que deixou de impedir as mortes devido ao "alto risco na realização de diligências de campo".

Os diálogos gravados mostram um contraventor certo da impunidade. Confira.

ULISSES: Me ligaram agora, afirmando que tem um pessoal que tá de frente com o Tio Chico e quer saber se tem algum interesse, se tem alguma coisa...

FERNANDO: Sem dúvida, apesar que esse aí é um pé-de-chinelo...

ULISSES: É, mas aí quer saber se tem um presente.

FERNANDO: Não sei, qual sua opinião?

ULISSES: É, a dupla tem um valor.

FERNANDO: Tudo bem. Diz a ele que esse não é nada de especial, né. Que você acha: 10 ou 12 (mil reais)? Diz que vai decidir entre 10 ou 12, ok?

Em outra ligação...

ULISSES: Sobre o trabalho de ontem. Tá lembrado?

FERNANDO: Tô lembrado.

ULISSES: Foi realizado, só que acabou sendo na dupla. (PM Michele morto e César, baleado).