Rio -  Uma das principais autoridades do Poder Judiciário argentino, o ministro da Suprema Corte Raúl Zaffaroni esteve no Rio a convite da LEAP Brasil (Agentes da Lei contra a Proibição)para participar de um seminário sobre drogas.
Crítico da proibição, Zaffaroni aponta a redução das desigualdades sociais como solução para diminuir a violência na guerra do tráfico e cita exemplo argentino, onde o usuário não pode ser preso com pequenas quantidades de qualquer droga.
'A proibição das drogas não impediu sua difusão, somou mortes e gerou corrupção. É negativa no nível político, social, econômico e de saúde', diz ministro | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
'A proibição das drogas não impediu sua difusão, somou mortes e gerou corrupção. É negativa no nível político, social, econômico e de saúde', diz ministro | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
A discussão ganhou ainda mais repercussão no Brasil, já que hoje será votado na Câmara dos Deputados, com grande chance de aprovação, o Projeto de Lei 7663/2010, que prevê, entre outras mudanças, o aumento da punição para usuários de entorpecentes, que podem ficar até um ano na cadeia.
ODIA: Qual a sua opinião sobre as drogas?
ZAFFARONI: O problema das drogas, na verdade, são dois: saúde e proibição. Não sei se a proibição provocou menos mortes, mas o combate às drogas provocou mortes demais. A proibição nunca evitou a difusão das drogas, somou mortes e ainda produz uma corrupção horrível. Ameaçou políticas democráticas e criou uma indústria violenta. A proibição é totalmente negativa nos níveis político, econômico, social e de saúde. Mas não sei se é possível fazer a legalização. Teria de ser algo mundial, e não feito isoladamente.
Qual o empecilho?
A economia ilícita joga no mercado muitos bilhões de dólares por ano. Não sei o que aconteceria se este dinheiro sumisse de uma hora para outra. É certo que geraria um grande problema na economia mundial.
O que torna a discussão ainda mais importante.
Claro. O que ocorre no México é um genocídio, mas um negócio bom para os EUA. A produção do tóxico e a luta pelo mercado é feita fora dos EUA, que vendem as armas para os mexicanos. Estes ficam com 40% da renda e todos os problemas. Os EUA, com 60%, e em seu território há apenas uma rede de distribuição. Ah, e o monopólio da lavagem de dinheiro. Então, não sei se interessa a eles mudar algo.
Como é a realidade argentina em relação às drogas?
Não somos produtores. Nosso território felizmente não dá para isso. Estamos fora das rotas internacionais e, felizmente, longe dos EUA, o principal consumidor do planeta. Mas temos o problema do consumo, sobretudo do paco, um veneno que atinge as classes mais pobres.
Semelhante ao crack?
Sim. A composição química não é igual, mas é degradante e leva algumas pessoas rapidamente à morte.
Mas a lei? Como é?
Não há nada legalizado, mas há uma velha jurisprudência que é muito respeitada e faz com que o usuário que portar pequena quantidade não seja preso. Com qualquer droga. Prender usuário é absurdo. Luto contra isso há mais de 30 anos, desde a ditadura. É inconstitucional.
A lei deveria avançar em direção à legalização?
Acho que teríamos problemas internacionais neste momento. Não em relação à maconha. Maconha é bobagem e não movimenta bilhões. Quem faz isso é a cocaína. É claro que estamos falando de hoje. No futuro, pode ser que venham a ser as drogas sintéticas, mas hoje é a cocaína.
No Uruguai, porém, a lei caminha no sentido da legalização. Como você observa este movimento?

Acho positivo e estou atentos para ver os resultados.
E a realidade brasileira, o Rio , onde o tráfico é tão marcante?
Há avanços, pois o combate à violência passa muito pela questão social. À medida que uma faixa da população é inserida na sociedade, muda a forma como ela é tratada pela polícia. Acho que o Brasil caminha para incorporar faixas sociais ao mercado produtivo. Não será como nos EUA, que fomentam uma guerra aos pobres. Pelo menos espero que não seja.
Mas a inclusão social não reduz o consumo.
Consumo é problema de saúde, não de polícia. E temos de pensar no consumo de três formas: uso, abuso e dependência. Usuários todos somos. Consumimos café, álcool, tabaco, televisão (risos). Abusos também ocorrem com frequência. Há quem beba dois litros de vinho por dia ou fume dois maços de cigarro. Há o dependente. Mas nem todo mundo que usa, abusa. E nem todo mundo que abusa é dependente. O dependente tem uma personalidade compulsiva muito peculiar e isso não é problema de polícia, mas de saúde.
E a relação com a criminalidade?
A pior dependência é o álcool. Quase não vemos casos de pessoas que matam outras por efeitos de tóxicos, mas com o álcool perdi a conta. E a sociedade tolera e fomenta o consumo.
Você apoia, mas não acredita que a legalização seja viável. Qual a saída?
O problema da droga é a miséria. Enquanto isso continuar, não faltará mão-de-obra para a ilegalidade. O desafio é reduzir as desigualdades e, consequentemente, a violência. O restante a gente resolve caso a caso, pontualmente.