Rio -  Há cinco anos, seis mulheres abriram suas vidas para contar ao mundo os desafios que enfrentavam em favelas dominadas pelo tráfico de drogas, através do documentário ‘Elas da Favela’, produzido pelo deputado estadual Marcelo Freixo. Moradoras do Complexo do Alemão e chefes de família, todas tinham em comum o medo dos constantes tiroteios. Para marcar a semana do Dia Internacional da Mulher, O DIA voltou à comunidade após a chegada de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), para mostrar o que mudou na vida delas.
Idealizador do filme, Freixo explicou a iniciativa: “A segurança pública sempre foi um tema masculino. As mulheres só entravam no assunto quando se falava de violência doméstica, como se não sofressem com os conflitos”.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
LÚCIA CABRAL. No filme, reclamava da dificuldade de levar os filhos para a escola em dias de tiroteio. Hoje, comemora o fim dos conflitos, mas reclama que faltam opções de estudo no Alemão, como uma escola técnica e creches para as crianças. Ela também quer empregos para jovens que saem do presídio e voltam para a favela | Fotos: Fernando Souza / Agência O Dia
O episódio que mais marcou Josicleide Urbano, de 47 anos, foi a prisão injusta do filho, então com 17 anos. “Saí do trabalho e voltei para casa quando soube que estava tendo tiroteio. Ao chegar, encontrei minha filha pequena assustada e meu filho na cama, baleado. Descemos com ele, sua identidade e comprovante do Exército. Queriam colocá-lo no caveirão, mas levaram para o hospital da Penha. De lá saiu algemado e ficou oito dias no Instituto Padre Severino”, lembra.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
JOSICLEIDE URBANO. O filho foi baleado durante uma operação da PM e preso injustamente. Recebeu uma declaração de desagravo do governo do estado pelo ato, mas a doméstica ainda não tem paz na comunidade. Tem medo do filho ser injustiçado de novo, o que já aconteceu três vezes depois da ocupação | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Para ela, a chegada da UPP não mudou muita coisa. A doméstica conta que o jovem foi detido outras três vezes pelo Exército sendo inocente.“Depois que vi meu filho pagar pelo que não fez, não confio na Justiça”, desabafa.
Para a educadora Lúcia Cabral, 47 anos, a aparente tranquilidade não é sinônimo de paz. Ela comemora as melhorias no Alemão, mas revela que muita coisa ainda deve ser feita. “O fim dos tiroteios diários foi um ponto positivo, mas faltam oportunidades de estudo e emprego para os jovens”.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
MARIA LÚCIA ALMEIDA. Saiu do Alemão por medo dos tiroteios, mas não quer voltar. No filme, mostrou como ela e mais 10 pessoas conseguiam se esconder dos disparos dentro do banheiro de seu salão. “Já estabilizei minha vida fora, mas venho na comunidade todos os dias. Gosto daqui, tem sempre alguém disposto a te ajudar”, diz | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
No documentário, Lúcia mostrou seu trabalho social na favela, distribuindo preservativos e explicando para jovens os perigos das Doenças Sexualmente Transmissíveis, através da ONG que criou, chamada Educap. A sede, que era em um barraco na Rua Canitá, recebeu a visita do príncipe Harry e foi reformada pela embaixada britânica.
Prejuízo financeiro, mas ganho em qualidade de vida
O salão de beleza de Maria Lúcia de Almeida Rosa, de 49 anos, era localizado na Rua Joaquim de Queiroz, entrada principal da Grota. Antes da pacificação, o banheiro tinha mais de uma utilidade: servia também de abrigo. Era lá que ela se escondia dos tiroteios, que a fizeram ir morar em outro lugar.
Hoje, o PAC levou o estabelecimento para a Rua Alvorada, onde ela teve 50% de prejuízo, mas não precisa mais do banheiro para se esconder. “Aqui está melhorando e vai melhorar ainda mais. Agora vai ter um shopping, estou louca para conseguir uma loja lá”, sonha.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
MARIA DO CARMO SILVA. A aposentada contou no filme que o filho se assustou com o farol da viatura e colocou a mão no rosto. O policial achou que ele estava se escondendo e o levou para a delegacia. “Ninguém sabia me dizer para onde ele tinha ido e tive que rodar três delegacias até achar. Demorei três horas”, conta | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Doméstica desenvolveu depressão por ter casa quebrada
Para a doméstica Maria Teles de Aguiar, de 63 anos, os cinco anos não fizeram bem. Ela, que teve a sua casa quebrada por policiais militares em 2007, até hoje não se recuperou. “Desenvolvi uma depressão. Não quero mais morar aqui no Alemão. Hoje em dia, os próprios moradores fazem muita bagunça na rua, ninguém consegue dormir. Meu sonho é ir embora”, revelou ela, que terá seu imóvel desapropriado por obras do PAC e torce para conseguir comprar uma casa em Olaria.
Maria do Carmo Silva, de 68 anos, foi mais uma a ver o filho sendo preso injustamente.Hoje em dia, para a aposentada, a vida continua difícil. “Só durmo tranquila quando meu filho volta pra casa. Outro dia, ele foi ser revistado por um policial e ele apontou a arma pro rosto dele sem motivo”, reclamou a aposentada.
Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
MARIA TELLES AGUIAR. “Sou viúva e trabalhei muito para construir minha casa. Ela foi toda quebrada por PMs e ficou cheia de marcas de tiros. Acho que se alguém estivesse lá na hora teria morrido. Nunca mais reformei, está do mesmo jeito”, conta ela, que sonha em sair da comunidade e morar em Olaria | Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
‘Só obras de maquiagem’
“Paz sem voz não é paz. É medo”, parafraseou Renata Trajado, de 33 anos, ao ser questionada sobre o que mudou nesses cinco anos. Segundo ela, as mudanças sociais não chegaram ainda no Alemão.
“Muita obra de maquiagem está sendo realizada e muitas outras de infraestrutura que realmente iam fazer diferença para os moradores, não”, revela.
Segundo ela, ser mulher da comunidade está longe do que é retratado na televisão. “Mostram que as mulheres daqui só ficam na laje, pegando sol e pela rua, arrumando confusão. Mas aqui mulher trabalha e muito, cuida dos filhos, lava roupa e faz comida. Isso sim é uma mulher do Alemão”, compara. 
Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia
RENATA TRAJANO. Reclama que faltam creches e que não vê os serviços da UPP Social, programa do governo do estado, saindo do papel. “Ainda é difícil ser mulher do Alemão. Não temos vagas nos colégios para nossos filhos e as unidades de saúde não atendem à demanda do morro”, ressalta ela, que virou militante na comunidade | Foto: Maíra Coelho / Agência O Dia