Rio Grande do Sul -  Jovens em busca de curtição costumam formar filas enormes nas quartas-feiras à noite, em torno das 23h, para entrar em casas sertanejas do circuito Vila Olímpia, em São Paulo. Três dias após o incêndio que matou mais de 230 pessoas na boate Kiss , em Santa Maria, Rio Grande do Sul, não foi o que aconteceu. Na última quarta, a aglomeração de pessoas em frente a uma delas era praticamente inexistente.
Foto: Vinícius Ferreira / iG
Foto: Vinícius Ferreira / iG
Os frequentadores das baladas que não mudaram suas rotinas acreditam que a redução do público esteja relacionada ao medo de uma tragédia se repetir em outros locais. “Acho que várias pessoas deixaram de sair por isso. É só olhar ao redor. Normalmente é lotado a essa hora. Quarta-feira passada, por exemplo, havia quarteirões de fila. Pensamos em sair mais cedo, nos arrumamos rápido pra chegar aqui e... Como assim? Só a gente está aqui?”, afirmou Mariana Fortunato da Silva, de 21 anos. A estudante se reuniu com mais três amigas para curtir a noite e, vendo a fila vazia, ainda brincou: “Dá até um pouco de vergonha de só ter a gente aqui”.
Piada
Pouco mais à frente das meninas, um grupo de três rapazes esperava o melhor momento para entrar na casa. A primeira reação deles foi procurar a saída de emergência. “Mas não é preocupação, é precaução”, explicou Emerson Fernando. O bancário também contou que, ainda na fila, o acidente ocorrido na Kiss era o assunto. “A história já virou até piada aqui. O cara tava fumando e a menina falou: ‘não vai fumar dentro da casa, que vai pegar fogo’”.
Já na fila de outra balada da região, o tema da conversa era outro – se a casa tinha ou não alvará de funcionamento liberado pela Prefeitura de São Paulo. Sim, aquela tinha. E, exatamente por isso, foi a eleita pelas amigas Renata e Carla para aquela noite. Antes de entrar, Renata contou que não teve receio de sair de casa, mas pensou na infraestrutura da balada antes de seguir para o local. “Não deu medo, mas criou uma mentalidade nas pessoas de ficarem mais preocupadas com essa questão de segurança. Eu nunca tinha pensado, por exemplo, em prestar atenção na saída de emergência”, concluiu.
Preocupações e esquecimento
Os amigos Marlon Moura, 22 anos, e Renato Gonçalves, 23, acreditam que o incêndio provocou uma reação positiva, a de aumentar a fiscalização nas casas noturnas. “Tudo noBrasil só muda após coisas acontecerem”, afirmou Marlon. O músico ainda completou que só há essa movimentação porque houve muitas mortes. “Quando morre um ou dois, ninguém se preocupa”.
Além de apoiar o colega e defender uma maior fiscalização, Renato contou que sentiu medo ao saber das mortes. Por um motivo em especial: “Gosto de ficar na beira do palco pra curtir o som. Se eu estivesse naquela balada, eu não conseguiria sair. Isso acaba mexendo com você”.
Sputnik
Mesmo com alvará em dia e atendendo todos os requesitos de segurança, a casa Wood’s decidiu fazer uma mudança na programação após o incêndio da Kiss: retirar o Sputnik (sinalizador decorativo apelidado de “foguinho”) das garrafas de champanhe adquiridas pelos frequentadores. O artifício é usado para celebrar a compra entre amigos. A casa optou por substituí-los por colares luminosos. Segundo a boate, a medida não foi tomada para evitar um perigo, já que o teto do local não é feito de material inflamável, mas para não causar pânico entre os jovens.
Vendas
Se o incêndio trouxe reflexos para as casas noturnas, o mesmo também aconteceu para o vendedor de balas e chicletes Francisco Ramos, 55, que trabalha há cinco anos com esse mercado e garante que costuma vender, por noite, ao menos, três caixas de goma de mascar. Nessa quarta-feira, 1h30 após iniciar o expediente não havia vendido nenhuma. Mas a noite dele não estava perdida, já que após dar conselhos para os filhos em casa, também conversou com os frequentadores da balada. “Já falei pra eles ficarem espertos, chegarem à casa noturna e olharem para ver se tem porta de emergência. Já dei conselhos para as meninas, todo mundo, pra ver se tem extintor”, afirmou o ambulante.
As informações são dos repórteres Marília Neves e Vinicius Ferreira, do iG