Rio Grande do Sul -  O vaivém de médicos, enfermeiros e parentes de pacientes nos corredores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre até parece a movimentação comum da unidade. Mas em cada rosto é possível ver um misto de angústia e dor, marcas irreparáveis da tragédia ocorrida na boate Kiss, no domingo. O hospital que recebeu o maior número de pacientes de Santa Maria — 18 jovens — mudou a sua rotina para cuidar das vítimas do maior trauma que a capital gaúcha já viu. 
Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
De acordo com o presidente do hospital federal, Amarílio Vieira de Macedo Neto, 50% dos leitos do CTI foram cedidos para as vítimas de Santa Maria. “Cancelamos todas as cirurgias marcadas, dobramos as escalas de médicos e enfermeiros e montamos uma rede de psicólogos e assistentes sociais para as famílias. As cirurgias plásticas — necessárias para os pacientes queimados — aumentaram de três para 10 por turno. A dose desolidariedade foi enorme, muitos médicos e residentes se ofereceram para trabalhar”, contou Amarílio, que ainda cedeu profissionais especializados em doenças respiratórias para outras unidades que atendem as vítimas da tragédia. 
Troca de experiências
O médico montou videoconferências com colegas de vários países para discutir e analisar os casos mais graves. “A troca de experiências nos ajuda no tratamento que eles precisam. É a maior tragédia que já vi em muitos anos de pronto-socorro”, descreve.
Passava das 13h quando o psicólogo Márcio Pereira, 28, chegou à unidade. Buscava parentes da ex-colega de colégio Mariane, uma das vítimas na Kiss. Ele havia perdido o contato com a moça há anos, mas não pensou duas vezes em oferecer sua casa como ponto de apoio para a família da moça, que tem passado dias e noites no hospital. “Vou viajar a trabalho e meu apartamento vai ficar vazio. Fui como voluntário ao ginásio onde as vítimas foram veladas, mas me senti tão impotente diante daquilo, que não consegui ajudar ninguém. Afetou uma geração inteira, transformou a cidade. Sou psicólogo, mas não estava estruturado para lidar com tamanha dor”, revelou Márcio, que nasceu em Santa Maria, mas vive em Porto Alegre.
‘Ouço histórias tristes e choro quando chego em casa’
Grupo de 10 voluntários passa dias e noites na porta do pronto-socorro. Na calçada, se revezam na distribuição de água, lanches e cadeiras para os parentes das vítimas. “Ouço tantas histórias tristes que todos os dias choro quando chego em casa”, disse o radialista Adriano do Canto, 43, que muitas vezes fica apenas ouvindo os parentes das vítimas.
Desde a tragédia, o médico Márcio Rodrigues dormiu apenas 16 horas. Ele saía do plantão quando recebeu a notícia e correu para recrutar colegas: “Me coloco no lugar deles”. Um centro de acolhimento foi criado no hospital, improvisado no anfiteatro, que recebe palestras e congressos. Ali pais aguardam notícias do estado de saúde dos filhos. 
À espera de um milagre
Pelo saguão do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um senhor caminha apreensivo. A cada passo, observa as paredes e a movimentação de médicos e pacientes, mas nada prende sua atenção. Andando sem rumo, enquanto atende aos mais de 150 telefonemas diários de parentes e amigos, que falam mensagens de apoio e buscam notícias de Maria Eduarda Parcianello Cabeleira, de 20 anos. A estudante de Fisioterapia é a razão da angústia do advogado Imar Santos Cabeleira, 53, que desde a tragédia perdeu as contas de quantas voltas deu no saguão do hospital, à espera de um milagre para sua filha. “Estou me agarrando à fé para aguentar tudo isso”, disse. 
Ele só tem duas chances por dia para ver a filha na UTI. Ela vivia em Santa Maria com os irmãos, porque estuda na universidade federal. Aprovada em um projeto, ela ganhou bolsa de estudos para fazer especialização em setembro, nos Estados Unidos. A moça é uma das vítimas em estado grave no Hospital de Clínicas. Está em coma induzido e respira por aparelhos.