Rio -  Vi passar as drag-queens que arrancavam as perucas e se empurravam na comissão de frente do Salgueiro. Ri sozinho, um riso íntimo de viver a democracia, sem que a questão sexual fosse um sobressalto. Mas foi aí que entrou a Portela com malandros arrancando calças e se exibindo em vestidos e plumas, e eu exclamei: “Gente, chegamos lá”. Voltando no tempo, em 1999, no enredo que fiz para a divina Ilha do Governador, sobre a então reserva moral do Brasil, a vida do jornalista Barbosa Lima Sobrinho e sua centenária luta pela liberdade de expressão, concebi 15 drag-queens em verde-amarelo, que enrolavam jornais na frente do júri e os faziam de espadas, em luta para que cada cidadão fosse o que tinha nascido para ser. Este era o maior legado de Barbosa. Uma das juradas escreveu: “Dou dez, ainda que receie, pois isto é de tal forma surpreendente e desestruturante que pode provocar polêmica”.
Eu antecipava em uma década e meia o que triunfaria no Carnaval 2013. Me lembro que a grita foi geral dos tradicionalistas. Uns diziam que não tinha a ver com o enredo, outros que era desrespeito, pois a comissão de frente, outrora integrada pelos santificados da Velha Guarda, agora era palco para show de travestis.
Eu, dono do mundo e de meu destino, ao saber que o então presidente da Portela tinha declarado em reunião plenária da Liesa que era um absurdo eu usar salto alto e ficar rebolando no palco do lançamento do CD, coloquei o maior cocar de penas que dispunha no barracão e rumei para pedir audiência com o presidente Luizinho Drumond. Com penas que quase não cabiam no gabinete dele, o doce banqueiro do jogo do bicho ouviu atenciosamente o meu protesto e, ao final, disse: “Meu filho, ninguém tem nada a ver com sua vida sexual, continua a ser como você quiser, e deixe a caravana passar enquanto os cães ladram”. Fiquei passado, e foi isto que me fez aceitar prontamente o convite dele para desfilar na Imperatriz do Pará (só pedi que eu me vestisse de pintosíssimo vaga-lume amazônico de LEDs, o que ele mandou providenciar).
Como no resto da sociedade, no Carnaval também avançamos, mas lentamente. Fico feliz de ter participado do processo, das conquistas, de ter trazido o personagem gay assumido, emplumado e brilhoso, para a esfera do poder na Sapucaí. Imaginem quando usei kilt escocês na Beija-Flor, em 1994, chamado pelos nilopolitanos de “a minissaia do Milton”. O importante era levantar a poeira e escandalizar os homofóbicos, arder em fogueira pública brincando de Santa Inquisição carnavalesca. Paguei o preço, mas foi ótimo.
Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ. | E-mail: chapa@odianet.com.br