Rio -  Elas não falam alto, são discretas e contam, acima de tudo, com a liderança que exercem na comunidade. Aos poucos, passaram a ser mais respeitadas no dia a dia do Borel — onde terça-feira o DIA e ‘Meia Hora’ fazem o terceiro Seminário ‘Rio, Cidade Sem Fronteiras’ — por mostrarem, com muita conversa, que conflitos são ‘resolvíveis’. São as mediadoras da paz, do programa Justiça Comunitária, feito em conjunto pela secretaria estadual de Direitos Humanos e o Iser (Instituto de Estudos da Religião), que visa exercitar a cidadania nas favelas pacificadas.
“O programa fortalece a autonomia dos moradores”, conta Eliane Carmen da Silva, a assistente social de uma das equipes multidisciplinares, que contam ainda, cada uma, com advogado, psicólogo e um dos 12 mediadores já formados no complexo do Borel — que inclui os morros da Formiga, Casabranca e do Cruzeiro. “Estamos abrindo outra turma esta semana”, emenda Eliane. “Vou me inscrever nesta turma”, completa Iracema Soares, grávida de seis meses.
Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Há 23 anos na comunidade, dona Maria Cristina Soares não esconde a felicidade por poder ajudar os outros. Ela fez o curso e se apaixonou pela chance de ter uma vida ativa dentro da comunidade. 
“Com o trabalho a gente conseguiu diminuir os conflitos” conta ela, com um sorriso que mistura emoção e vergonha por, pela primeira vez, ter voz ativa na imprensa. “A maioria dos casos é de mulheres grávidas, pedindo pensão. Reunimos as partes e buscamos o acordo. E na maioria conseguimos”.
E conseguem mesmo. Em quatro meses de programa, alcançaram a média de sete conflitos resolvidos por mês, sem a necessidade de irem à Justiça. Muito para uma comunidade que, como muitas, acostumou-se a resolver seus problemas com a ajuda das ‘madeiradas’ do tráfico.
Isis Soares, 20 anos, seguiu os passos da mãe, dona Maria Cristina. Cursando o 2º ano do 2º grau, ela ainda se divide entre estudar Educação Física ou Biologia. Mas se ainda não sabe em que pretende se formar, tem certeza que ajudar o próximo a faz feliz. “É legal ver as soluções surgirem. Fazendo este trabalho, eu ajudo a reeducar os moradores”. 
No vácuo do poder paralelo
O Justiça Comunitária tem apenas quatro meses de Borel, mas surgiu há 13 anos, quando a juíza Glaucia Falfarella , do Tribunal de Justiça de Brasília, percebeu que a maioria dos casos que julgava poderia ser resolvido com o diálogo. De lá para cá, o programa cresceu e encontrou espaço para se desenvolver nas comunidades pacificadas, ocupando o vácuo deixado pela saída do poder paralelo.
“Trabalhamos com três linhas de ação. Educação para o Direito, levando o conhecimento do Direito à comunidade; a mediação de conflito em si, que é a nova forma de resolver as questões do morro; e a articulação de redes, que é fazer com que os atores que trabalham com a gente reconheçam a rede com que eles trabalham — os serviços, as ONGs e seus direitos”, explica Eliane.