Rio -  Somos todos sobreviventes neste país. Sobreviventes da tragédia de Santa Maria e sobreviventes do dia a dia irresponsável que compartilhamos. Nas pequenas e nas grandes coisas. Não somos respeitados e não nos damos ao respeito. Confesso que não sei o que vem primeiro. Somos coniventes com toda sorte de falcatruas, desde há muito e não sei até quando. Será que um dia vamos mudar? Será que um dia a ganância deixará de ser o carro-chefe de milhares de comerciantes, industriais, servidores, autoridades e de cada um de nós, sociedade civil desorganizada?
Será que, diante do que aconteceu com os jovens do Sul do país, nós vamos mesmo mudar? Não sei não. Temo que todo este sofrimento esteja sendo em vão. Porque a mudança depende de leis rígidas, autoridades mais atentas, de fiscalização mais rigorosa, de mais seriedade no cumprimento das leis, mas depende também, muito e sempre, de todos nós. E nós cumprimos as leis? Ou nós vamos levando a vida, ou deixando a vida nos levar, achando sempre que a lei só vale para o outro? Que para cada um de nós a lei não é assim tão lei, que o jeitinho brasileiro é uma característica nacional e, por conta dele, quem for mais esperto leva mais vantagem? Você paga propina e seu carro passa na vistoria, molha a mão do guarda e adia a regulamentação do veículo, joga o lixo no chão porque nem se dá ao trabalho de procurar uma lixeira, coloca o som no volume que gosta porque o vizinho não importa, arrasta móveis a madrugada inteira, pisa forte na cabeça do morador do apartamento de baixo porque nem se lembra que tem gente logo ali ou porque só pensa em si mesmo?
Buzina onde quer e na hora que quer, fecha o cruzamento porque tem pressa, não dá passagem para o veículo que vem logo atrás porque gosta de vencer. Enquanto a gente viver esperando que o outro faça por nós e a favor de nós, seremos apenas sobreviventes. Já passou da hora de se comprometer, de só colocar cadeado depois da porta arrombada. Chega de colocar panos quentes, adiar decisões, votar neste ou naquele candidato porque é bonito ou porque os vizinhos dizem que aquele candidato vai ganhar e você não pode perder seu voto.
Você corre o risco de perder a vida cada vez que alguém suborna para ter mais lucro, sempre que não exige a recuperação de um viaduto ameaçado de cair e de matar milhares de pessoas, porque você não usa aquele percurso. Chega de aceitar passivamente toda espécie de corrupção. Inclusive a que você pratica. Você corre o risco de perder o que mais preza quando deixa só por conta do outro, da honestidade do outro, da responsabilidade do outro, as decisões que envolvem você. Acorda!
Leda Nagle é jornalista, escritora e apresenta na TV o ‘Sem Censura'