Rio -  Retrato de uma cidade assustada por décadas de insegurança, a instalação de grades nos condomínios não cedeu à redução da violência com a pacificação que valorizou os imóveis. Ela se generalizou a ponto de comprometer a beleza da cidade. Na turística Zona Sul, edifícios escondem fachadas históricas com barras de ferro, alumínio e vidro sem qualquer padrão, pedestres lamentam e turistas estranham o visual de presídio que tomou conta do Rio. A violência justifica tanto medo? Os prédios livres de grades são mais roubados do que aqueles que tiram área do pedestre? Com este tema, O DIA inicia um debate sobre o uso do espaço público.
‘Muralha’ na Rua Rainha Guilhermina, no Leblon: no bairro, raros são os edifícios que estão livres dos gradis | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
‘Muralha’ na Rua Rainha Guilhermina, no Leblon: no bairro, raros são os edifícios que estão livres dos gradis | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
“Antes, dava para passar entre os canteiros e admirar as entradas dos edifícios. Agora, parece que circulamos em um presídio”, desabafa Ana Maria Tavares, 65 anos,moradora de Ipanema há 50.
As ‘jaulas’ viraram tendência nos anos 90, mas ainda hoje há condomínios que se rendem à ‘estética do medo’, explica a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ Lúcia Costa. “É uma resposta que a população dá para a insegurança. Enquanto houver esta sensação, existirão gaiolas.”
O urbanista Eduardo Barra é contra o gradil e vai além na crítica. “É um desastre. A Zona Sul está engaiolada e isso mata o urbanismo.” Para ele, as grades são uma ilusão de segurança. “Bandido rouba com grade ou sem grade.”
É a opinião de quem vive livre da jaula. “A segurança tem que ser na vigilância, com câmeras”, opina Antônio Pires, 50, em um dos poucos edifícios do Leblon que expõem a fachada como ela é. Na Av. Delfim Moreira, dá para contar nos dedos os apartamentos residenciais ‘livres’. A proporção é de dois edifícios livres para dez engaiolados, segundo a síndica Renata Souza, que trabalha em cinco prédios da região.
Permitido
“Grade é um chamariz. Um coloca e os vizinhos acompanham”, aponta Renata. Só em um prédio ela gastou R$ 2 mil com a cerca de alumínio e R$ 3 mil em sistema eletrônico. As grades costumam ser instaladas a cinco metros da fachada, deixando o resto para os pedestres. A prefeitura permite, pois todo imóvel possui uma extensão legal de afastamento frontal. 
Especialista tenta convencer moradores a não aceitar as grades
O presidente do Instituto Art Déco Brasil, que estuda e preserva arquiteturas das décadas de 1920 a 50, encontrou dificuldades para fotografar fachadas de edifícios históricos da Zona Sul. Para Márcio Roiter, o gradil representa a perda definitiva da identidade urbanística da cidade.
“Como poderemos fazer um registro fotográfico da fachada de um prédio que existe há mais de 70 anos e agora está cercado de grade?”, questiona Márcio. Em 2011, quando foi a campo para reunir imagens deste porte, ele atestou que metade dos imóveis na Zona Sul que poderiam pertencer ao movimento Art Déco está enjaulada.
Na tentativa de contornar a ‘prisão’, Márcio decidiu investir em um intenso diálogo com moradores de edifícios antigos. “Convenço as pessoas a não aceitar as grades”, conclui.
Vidro ameniza mal-estar
Do gradil tubular de alumínio ao cercado de vidro temperado. Na Zona Sul, há soluções para todos os gostos e bolsos para trancafiar prédios. A tendência do vidro ameniza a sensação de enjaulamento, mas custa o triplo e, na ‘estética do medo’, bagunça ainda mais o padrão: “A manutenção é melhor”, diz o serralheiro José de Lima, que atendeu 5 edifícios na região.