Rio -  Pelo visto, setores do Exército acham que podem ignorar a existência de algumas leis. Vamos lá. A Lei 7.661, de 16 de maio de 1988, é bem clara: “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”.
Mas, neste verão, o Exército resolveu ganhar um troco com uma praia que fica no Forte de Copacabana. Arrendou a área, por R$ 300 mil, a um grupo privado. Pelo acesso àquele nosso pedaço de orla, os empresários passaram a cobrar ingressos que chegam a R$ 250. O uso de um camarote pode custar R$ 20 mil por dia.
A construção já não tem qualquer função militar; desde 1987 que funciona apenas como centro cultural (lá fica o Museu Histórico do Exército), de lazer e de turismo. Desativado, o forte não pode ser considerado área de interesse de segurança nacional. Não se enquadra, portanto, na exceção prevista pela lei.
A privatização daquela área é injustificável e ilegal. Qualquer um de nós tem o sagrado direito de usufruir daquela praia sem pagar um centavo sequer (um decreto de 2004, que regulamentou a tal lei de 1988, ainda determina: “As áreas de domínio da União abrangidas por servidão de passagem ou vias de acesso às praias e ao mar serão objeto de cessão de uso em favor do Município correspondente”).
As praias públicas, de livre acesso, ajudaram a criar a alma desta cidade, estimularam nossa capacidade de convivência, de tolerância, de respeito pela diferença. O Rio é o que é pela troca de experiências, de culturas, de identidades — o samba cresceu ainda mais ao ser adotado pelo asfalto, passou a ser música de todos, não apenas do morro.
O precedente criado no Forte de Copacabana abre espaço para outras iniciativas semelhantes, crava uma flecha no espírito carioca, mancha nossa história e até compromete o futuro do nosso jeito de ser. É só conferir o que uma das frequentadoras da praia privê declarou à revista ‘Veja Rio’. Afirmou que, naquele pedaço de areia, o público “é mais selecionado”.
Faz até lembrar aqueles anúncios de emprego que, há algumas poucas décadas, barravam negros ao exigir uma suposta “boa aparência”. O nome disso é preconceito — não se põe corda na praia que é de todos nós.