Rio -  O relógio marcava 22h quando ela chegou à quadra da Beija-Flor, em Nilópolis. Sorriso roubando a cena. As passistas mirins — e pré-mirins — a aguardavam com olhares como os daqueles garotinhos quando veem Neymar jogando bola.
Mulatas, negras, loirinhas, todas querem ser Selminha Sorriso. E ela atendia uma a uma com atenção capaz de emocionar. Duas horas depois, pontualmente à meia-noite, e mesmo debaixo de muita chuva, o diretor de Carnaval Laíla dá início ao ensaio que toda quinta-feira mobiliza as madrugadas de Nilópolis, o menor município do Estado do Rio em extensão territorial.
Selminha: porta-bandeira mais famosa do Carnaval não perde o rebolado, a elegância, a beleza e, é claro, o sorriso | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Selminha: porta-bandeira mais famosa do Carnaval não perde o rebolado, a elegância, a beleza e, é claro, o sorriso | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
São muitas centenas de pessoas transformando o que deveria ser mais um teste num desfile arrebatador, de encantar os visitantes, como se estivessem na Sapucaí.
E lá está Selminha. Personagem de livro, atuando no teatro e na televisão, e bombeira militar lotada no Palácio Guanabara, a porta-bandeira mais famosa do Carnaval não perde o rebolado, a elegância, a beleza e o... sorriso.
“Vim de uma família muito pobre, sem acesso a nada e hoje tenho casa, carro, dou um bom colégio e um plano de saúde para o meu filho. Sou porta-bandeira da Beija-Flor e danço sob a voz do Neguinho, um ídolo de infância. Sou muito feliz”, brinca.
QUADRA ÀS ESCURAS
O mais surpreendente, no entanto, ainda estava por vir. À 1h30, um apagão deixou Nilópolis às escuras. Sem microfone, Neguinho da Beija-Flor virou mais um na multidão. Ninguém se enxergava. Sob a luz de celulares, a deusa da passarela, bandeira em punho, passou a comandar o ensaio às cegas por mais 40 minutos. Sob a bênção de Laíla.
“Sou eu o seu cavalo de batalha e se a memória não me falha, chegou a hora de gritar é campeão”, cantavam, em êxtase, os nilopolitanos, com Selminha rodopiando pela quadra às escuras.
Noite histórica: faltou luz, mas não energia aos integrantes da escola, que sambaram a madrugada toda | Foto: Irapuã Jeferson
Noite histórica: faltou luz, mas não energia aos integrantes da escola, que sambaram a madrugada toda | Foto: Irapuã Jeferson
Já passava das 2h10 quando a bateria, ainda na escuridão, encerrou a festa. Emocionados, foliões voltavam para casa cientes de terem participado de uma noite que entrará para a história.
Às 3h, bandeira ainda em punho, Selminha ensinava Kauan, de 6 anos, a sambar. “É mágico isso aqui, não é?”, resumiu a dona do sorriso que faz a Beija-Flor brilhar na Avenida.
Musa chega a 25 anos de Sapucaí e reverencia seu solo sagrado
Nascida em Parada de Lucas, criada em Campo Grande e revelada pelo Império Serrano, em 1988, após ter se mudado para Madureira, Selminha desfilará pela 25ª vez na Sapucaí. Apesar de ter feito fama na passarela idealizada por Darcy Ribeiro, a porta-bandeira, hoje moradora de Vila Valqueire, é nilopolitana de corpo e alma.
“Eu não venho a Nilópolis só no Carnaval. Eu passo o ano aqui. Tenho alunas de 3 a 16 anos que sonham ser porta-bandeira e ensino a elas que este é o nosso solo sagrado. A bandeira da Beija-Flor, para mim, é a bandeira do Brasil”, conta, emocionada, mas sem tirar o sorriso do rosto que, aliás, parece resistir ao tempo.
Responsável desde sempre pela própria maquiagem (“Só não sei cortar o meu cabelo”), Selminha escondeu a idade por muito tempo, mas deixou a cerimônia de lado e hoje bate no peito com orgulho para dizer que é quarentona.
“Tenho 41, sou vaidosa, mas não tenho esse negócio de culto ao corpo. Vou à Sapucaí para dançar e mostrar o que é a Beija-Flor. É o que amo fazer”, completa.