Fernando Pamplona: ‘Sou vagabundo, eu tô aí’
Ex-carnavalesco do Salgueiro, que revolucionou desfiles na década de 60, elogia Paulo Barros e recorda histórias do Carnaval em livro de memórias
POR CAIO BARBOSA
Fernando Pamplona, vagabundo confesso, se diverte | Foto: André Luiz Mello / Agência O Dia
O DIA: O que te motivou a fazer um livro autobiográfico?
Pamplona: Na verdade, não é autobiográfico. Se eu fizesse uma autobiografia, seria preso. Noventa por cento seria censurado (risos). É um livro de histórias, pô. O que velho sabe fazer? Contar história. Se não tiver Alzheimer (risos). Como eu ainda não tenho, decidi contar as minhas. Até porque minha memória é melhor do que a de muita gente. Por exemplo: bebo no Cabanas há muitos anos. E lá agora há uma placa dizendo "desde 1952". Ora, eu bebo lá desde 1942, porra.
São muitas histórias?
Muitas. Sou vagabundo, né? Gosto de corriola, de botequim. Eu tô aí. Os CDFs se perderam, ninguém ouve falar deles. Mas os vagabundos estão sempre aí.
Muitas. Sou vagabundo, né? Gosto de corriola, de botequim. Eu tô aí. Os CDFs se perderam, ninguém ouve falar deles. Mas os vagabundos estão sempre aí.
E o espírito contestador, mais vivo do que nunca. Certo?
Sempre. Ninguém perde isso.
Sempre. Ninguém perde isso.
A UNE (União Nacional dos Estudantes), um dos lugares onde você militou, perdeu (risos).
Lamentável. A UNE não existe mais. Virou braço político do governo. Triste de ser ver. Uma vergonha.
Lamentável. A UNE não existe mais. Virou braço político do governo. Triste de ser ver. Uma vergonha.
Mas vamos falar de Carnaval, que é seu carro-chefe. Como e quando surgiu essa paixão?
Sempre fui um amante da cultura popular. Em 1935, quando voltei ao Rio após uma temporada no Acre, ia aos bailes no Botafogo ou a bailes populares. Nunca tive super heróis. O mestre-sala e a porta-bandeira foram meus príncipes e princesas.
Sempre fui um amante da cultura popular. Em 1935, quando voltei ao Rio após uma temporada no Acre, ia aos bailes no Botafogo ou a bailes populares. Nunca tive super heróis. O mestre-sala e a porta-bandeira foram meus príncipes e princesas.
E quando você passou, de fato, a participar do Carnaval como protagonista da festa?
Em 1959, eu era professor da Escola Nacional de Belas Artes e fui convidado para ser jurado do Carnaval. Eu torcia pelo Império Serrano, mas por ter sido da UNE, me simpatizada com a Mocidade Independente, pelo nome da escola, que é sensacional. Só que quando vi o Salgueiro entrando na avenida, de vermelho e branco, falando sobre Debret, virei salgueirense na hora.
Em 1959, eu era professor da Escola Nacional de Belas Artes e fui convidado para ser jurado do Carnaval. Eu torcia pelo Império Serrano, mas por ter sido da UNE, me simpatizada com a Mocidade Independente, pelo nome da escola, que é sensacional. Só que quando vi o Salgueiro entrando na avenida, de vermelho e branco, falando sobre Debret, virei salgueirense na hora.
Por causa do vermelho ou do Debret? E como você se define politicamente?
Por causa de Debret. A escola falou de um artista em vez de falar de general, como era hábito no Carnaval. Tudo enredo DIPiano, autorizado pelo governo (nota da redação: DIP é o extinto Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão censor das manifestações culturais criado por Getúlio Vargas). Hoje, sou agnóstico. Politicamente e religiosamente (risos).
Por causa de Debret. A escola falou de um artista em vez de falar de general, como era hábito no Carnaval. Tudo enredo DIPiano, autorizado pelo governo (nota da redação: DIP é o extinto Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão censor das manifestações culturais criado por Getúlio Vargas). Hoje, sou agnóstico. Politicamente e religiosamente (risos).
E como foi aquele Carnaval?
Foi fantástico. Lembro que dei nota 8 para o Salgueiro, 6 para a Portela, para o restante dei 5 e 4. Mas o desfile da Portela foi arrebatador e eu aumentei a nota deles para 7. E ganharam por 1 ponto (risos). A partir dali, entrei de vez no Carnaval.
Foi fantástico. Lembro que dei nota 8 para o Salgueiro, 6 para a Portela, para o restante dei 5 e 4. Mas o desfile da Portela foi arrebatador e eu aumentei a nota deles para 7. E ganharam por 1 ponto (risos). A partir dali, entrei de vez no Carnaval.
E no ano seguinte, já foi campeão com enredo sobre Zumbi dos Palmares.
Foi, mas o Natal, da Portela, que tinha uma força danada, não descontou os pontos que deveriam ser descontados. Assim, acabaram declarados campeões também a Portela, a Mangueira, o Império e a Unidos da Capela. Ficou todo mundo feliz, claro. Menos nós, que havíamos ganhado sozinhos.
Foi, mas o Natal, da Portela, que tinha uma força danada, não descontou os pontos que deveriam ser descontados. Assim, acabaram declarados campeões também a Portela, a Mangueira, o Império e a Unidos da Capela. Ficou todo mundo feliz, claro. Menos nós, que havíamos ganhado sozinhos.
Dali em diante, o Salgueiro passou a falar sobre Aleijadinho, Xica da Silva. O revolucionário Pamplona mudou o Carnaval?
Nada. O grande revolucionário foi Nelson Andrade, o diretor de Carnaval do Salgueiro. E não havia um filha de puta de vermelho no enterro dele. Pode uma porra dessas? Nelson tinha muito dinheiro, mas não era bicheiro, era peixeiro. Pensava à frente de todo mundo, como o Calça Larga, o Juju das Candongas, lá da Mangueira. Eles pensavam em artistas como enredos, e não aquela patriotada besta.
Nada. O grande revolucionário foi Nelson Andrade, o diretor de Carnaval do Salgueiro. E não havia um filha de puta de vermelho no enterro dele. Pode uma porra dessas? Nelson tinha muito dinheiro, mas não era bicheiro, era peixeiro. Pensava à frente de todo mundo, como o Calça Larga, o Juju das Candongas, lá da Mangueira. Eles pensavam em artistas como enredos, e não aquela patriotada besta.
E o seu papel nessa história toda?
Eu era muito ligado à cultura negra, desde o Cristo Negro, concurso realizado pelo Abdias Nascimento que provocou uma reação danada da Igreja. Mas os negros não gostavam de se vestir de negros. Negro gostava de sair com chapéu de Napoleão para tirar onda após o desfile na Praça Saens Peña ou em Madureira. Pode isso? (risos). Acho que minha contribuição foi essa.
Eu era muito ligado à cultura negra, desde o Cristo Negro, concurso realizado pelo Abdias Nascimento que provocou uma reação danada da Igreja. Mas os negros não gostavam de se vestir de negros. Negro gostava de sair com chapéu de Napoleão para tirar onda após o desfile na Praça Saens Peña ou em Madureira. Pode isso? (risos). Acho que minha contribuição foi essa.
Como você avalia os carnavalescos de hoje?
Não sei. Há seis anos que não vejo Carnaval. Vou para Corrêas, na Região Serrana.
Não sei. Há seis anos que não vejo Carnaval. Vou para Corrêas, na Região Serrana.
Foi onde nasci. Meus pais moram lá até hoje.
Então vai para lá no Carnaval e bebe uma comigo. Tá convidado (risos).
Olha que eu vou, hein. Bem, mas voltemos. Então você não conhece o Paulo Barros, o novo queridinho do Carnaval?
Ah, deixa eu publicar essa história, que também é ótima e precisa ser contada.
Hummmm, tá bem. Mas olha lá, hein. O Paulo é ótimo. O resto é tudo técnico de futebol, sem identificação com a escola.
Hummmm, tá bem. Mas olha lá, hein. O Paulo é ótimo. O resto é tudo técnico de futebol, sem identificação com a escola.
Sem exceções? Nem o Laíla, na Beija-Flor?
Ah, sim. Tem o Laíla, que é identificado com a escola, que aglomera, bota ordem na casa e é ótimo. Temos a Rosa (Magalhães) e o Renatinho (Lage), mas é só.
Ah, sim. Tem o Laíla, que é identificado com a escola, que aglomera, bota ordem na casa e é ótimo. Temos a Rosa (Magalhães) e o Renatinho (Lage), mas é só.
E como você vê o Carnaval atual, cheio de enredos patrocinados, mesmo não assistindo aos desfiles?
Acho uma merda, mas o bom carnavalesco dá um jeito. Pior são os sambas atuais. Isso que acabou com o Carnaval. Não existe mais o samba de quadra, que inspirava os compositores a criarem ao longo do ano. Junta uma turma no seu boteco e pede para alguém cantar um samba dos últimos oito anos que não seja da sua escola. Não sai um. Só tem porcaria, um negócio marcheado que não pega. Esse marcheado acabou com a bossa do Carnaval. A Beija-Flor era a única que resistia, mas não resiste mais.
Acho uma merda, mas o bom carnavalesco dá um jeito. Pior são os sambas atuais. Isso que acabou com o Carnaval. Não existe mais o samba de quadra, que inspirava os compositores a criarem ao longo do ano. Junta uma turma no seu boteco e pede para alguém cantar um samba dos últimos oito anos que não seja da sua escola. Não sai um. Só tem porcaria, um negócio marcheado que não pega. Esse marcheado acabou com a bossa do Carnaval. A Beija-Flor era a única que resistia, mas não resiste mais.
Nem os que o Wanderley Monteiro têm feito na Portela, que estão sendo muito elogiados? E o da Vila Isabel neste ano, com Martinho e Arlindo Cruz.
Não ouvi. O Wanderley eu não conheço. Já o Martinho e o Arlindo são gênios. Se fizerem um samba ruim, vou lá e dou porrada nos dois (risos).
Não ouvi. O Wanderley eu não conheço. Já o Martinho e o Arlindo são gênios. Se fizerem um samba ruim, vou lá e dou porrada nos dois (risos).
Qual a solução que você aponta para o Carnaval voltar a ser como nos velhos tempos?
Chegar um cara corajoso e obrigar a escola a cantar samba, mesmo perdendo.
Chegar um cara corajoso e obrigar a escola a cantar samba, mesmo perdendo.
Mas a história só dá valor aos vencedores. Os perderores são esquecidos.
Verdade, mas eu acho que a vida é feita de ciclos e que em breve teremos um novo Carnaval. Pelo menos torço por isso.
Verdade, mas eu acho que a vida é feita de ciclos e que em breve teremos um novo Carnaval. Pelo menos torço por isso.
E qual a última coisa que você viu de bom no Carnaval?
Foi uma vez que fui ao Salgueiro, há alguns anos. Havia tanta caixa de som, tudo tão alto e ruim, que eu e o Laíla, que estava lá, saímos e fomos beber num pé-sujo bem sujo perto dali. Até que uns caras meio suspeitos começaram a entrar, por baixo do balcão, e se instalar dentro da birosca. Eu e Laíla fomos lá dentro, escondidos, ver o que estava rolando. Era uma galera fazendo fantasia com chapinha de cerveja para o bloco Faz Vergonha. Foi sensacional.
Foi uma vez que fui ao Salgueiro, há alguns anos. Havia tanta caixa de som, tudo tão alto e ruim, que eu e o Laíla, que estava lá, saímos e fomos beber num pé-sujo bem sujo perto dali. Até que uns caras meio suspeitos começaram a entrar, por baixo do balcão, e se instalar dentro da birosca. Eu e Laíla fomos lá dentro, escondidos, ver o que estava rolando. Era uma galera fazendo fantasia com chapinha de cerveja para o bloco Faz Vergonha. Foi sensacional.
Por falar em boteco, você continua fumando sem parar. Bebendo também?
Claro! Vou parar para ter mais dois dias de vida? Só não bebo mais destilados brancos, como cachaça e vodca, porque comi um peixe estragado em Rio das Ostras que me destruiu o fígado. Mas cerveja, uísque e vinho é comigo mesmo.
Claro! Vou parar para ter mais dois dias de vida? Só não bebo mais destilados brancos, como cachaça e vodca, porque comi um peixe estragado em Rio das Ostras que me destruiu o fígado. Mas cerveja, uísque e vinho é comigo mesmo.
Ah, então a próxima entrevista vamos marcar num botequim?
É um favor que você me faz. Vai ser muito melhor do que aqui em casa (risos).
É um favor que você me faz. Vai ser muito melhor do que aqui em casa (risos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário