Rio -  As duas vistorias da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pelas quais passou o ônibus da Auto Viação 1001 poucas horas antes do acidente que matou 14 pessoas e feriu 16 segunda-feira não foram suficientes para impedir a tragédia.

O veículo, que saiu de Itaperuna rumo ao Rio, teria perdido o freio e caiu de altura de 10 metros. O ônibus só foi retirado da mata às 3h30 desta terça-feira.

Na porta do Instituto Médico-Legal, a assessora parlamentar Cenária Mota Neves, 35, era o retrato da tragédia. Grávida, ela desmaiou ao saber da morte dos pais José Neves Mota, 59, e Maria Aparecida Mota Neves, 53. Moradores de Miracema, eles traziam na mala roupas para a netinha que vai nascer.
Foto: Alexandre Gonçalves / Agência O Dia
Grávida de uma menina, Cenária chora no Instituto Médico-Legal ao confirmar a morte dos pais José e Maria | Foto: Alexandre Gonçalves / Agência O Dia
A 1001, que tem 700 ônibus no estado, acumula 553 multas este ano, segundo o Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro).

Se cada veículo tiver sido multado uma vez, o total de infrações corresponderia a 79% da frota. Entre as irregularidades, há falta de inspeção anual obrigatória nos ônibus.

A ANTT informou que intensificará a fiscalização nas garagens da 1001 semana que vem. Este ano, a agência lavrou 183 multas contra a 1001, algumas por encontrar extintor vencido e tacógrafo (aparelho que mede a velocidade) sem lacre.

“O ônibus foi vistoriado às 8h40 na rodoviária de Itaperuna. Foram verificadas as condições de segurança e de higiene e nenhuma irregularidade foi constatada. Não temos condições de fazer vistoria mecânica. No posto de pesagem de veículos em Teresópolis, ele estava dentro do normal”, explicou o coordenador de fiscalização da agência no Rio, Rodrigo Castro.

“Por isso as empresas relaxam, pois não há fiscalização severa”, criticou Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas. A Auto Viação 1001 informou que o ônibus “estava com toda a manutenção preventiva em dia”.

Desde 2003, corre na Justiça ação do Ministério Público contra monopólio da 1001. O Supremo Tribunal de Justiça deve julgá-la este mês e pode cassar a concessão da viação.

Acidente acaba com famílias

O acidente na Serra fracionou famílias. O técnico de ortopedia Fabiano José Rodrigues, 38 anos, enterrou nesta terça-feira os tios Edes Moraes da Silva, 49, Lúcia Florido Turques da Silva, 36, e a mãe de Lúcia, Ilma da Silva Florido, 62, no Cemitério de Vila Rosali, em São João de Meriti. Emerson, 14, filho do casal foi um dos sobreviventes da tragédia.

“Eles trabalham com vidas humanas. Isso é covardia, é falta de profissionalismo”, protestou Fabiano, revoltado com funcionários da 1001, que repetiam no IML que o freio falhara. Ele vai processar a empresa.
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Daniel, que se manteve sentado e de cinto, sofreu corte profundo entre os olhos | Foto: Fábio Gonçalves / Agência O Dia
Nesta quarta-feira, às 8h, em Cemitério de Miracema, será a vez de a família de José e Maria Aparecida chorar a perda do casal. Além de Cenária, eles eram pais de rapaz de 32 anos, com problemas psiquiátricos.

“A família está destruída. O que será agora deste rapaz?”, lamentou José Eduardo, irmão de Maria.

"Meus olhos ficaram cheios de sangue e parei de enxergar"

As cenas de terror ainda estão vivas nas memórias dos passageiros da Viação 1001. Entre o desespero nos instantes que antecederam a colisão, os gritos de socorro e de dor logo após o impacto e o cenário de corpos espalhados e amontoados, a sensação de quem escapou por pouco é de ter nascido de novo.

“Lembro das pessoas indo para trás do ônibus gritando que estava sem freio. Apertei o cinto, entramos na mata, meus olhos ficaram cheios de sangue e parei de enxergar. Nesta hora, muitos gritavam de dor e imploravam por socorro. Dou graças a Deus. Nasci de novo”, disse o técnico eletrônico Daniel dos Santos Oliveira, 25.
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Weleica teve alta: "Me sinto aliviada" | Foto: Fábio Gonçalves / Agência O Dia
Ele teve alta nesta terça-feira com outros três pacientes do Hospital das Clínicas de Teresópolis, para onde mais 15 passageiros foram levados. Três morreram na madrugada desta terça. Nove seguem internados, sendo uma, Ernestina Santos, 81, em estado grave.

“Senti cheiro forte de borracha. O ônibus ia muito rápido. De repente me vi pulando de um lado para outro. Não estava de cinto”, contou a enfermeira Cláudia Maria da Silva, 43, que voltava da casa de parentes, em Itaperuna, para Belford Roxo, onde vive.

Sentada no banco atrás do motorista, a comerciante Maria Célia Diniz de Moura, 60, viu de perto o desespero do condutor. Com fraturas na mão e escoriações no rosto e coluna, ela contou ao marido que o piloto pediu desesperado para as pessoas colocarem o cinto.
“Ela contou que foi um filme de terror. Viu quando ele alertou a quem levantou para apertar o cinto”, lembra o marido, Ari Marquês de Moura, 63, que reclamou da falta de assistência da viação.
Parentes se emocionam no IML | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Parentes se emocionam no IML | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Violência do impacto provocou fraturas graves nos passageiros

A violência do impacto foi descrita nos laudos médicos dos pacientes socorridos em Teresópolis. Segundo a diretora Rosane Rodrigues Costa, as pessoas chegaram com fraturas torácicas, abdominais e cranianas: “Quem estava em pé foi quem mais sofreu fraturas. Quem colocou os pés no encosto da frente, estava de cinto ou se abaixou, ficou menos lesionado”.

Para familiares do pastor Clésio Andrade, que havia ido pregar em Itaperuna, a fé e o instinto o salvaram.

“Ele contou que se abaixou pouco antes da colisão e ficou desesperado ao ver as pessoas morrendo e pedindo ajuda sem poder fazer nada”, descreveu a mulher, Rosângela de Paula.

Passageiros contam que cadeiras voaram, e a força da batida foi tão grande que mesmo Welika de Souza Malaquias, 21, que dormia presa ao cinto de segurança, foi encontrada por bombeiros no corredor do ônibus.

“Só lembro de ter acordado sobre um tronco de árvore, sendo atendida. Na hora, não vi nada. Foi um grande susto”, contou ela, que é babá e ia de Além Paraíba para o trabalho, no Rio.

Tragédia na Serra mata 14 passageiros de ônibus


Ônibus saiu de Itaperuna, no Noroeste Fluminense, e seguia para o Rio

Criança foi salva pela avó

Fora de risco no Hospital Miguel Couto, na Gávea, Vera Lúcia de Paula Lopes, 61 anos, voltava de visita a parentes em Além Paraíba com o marido — o professor de dança Charles Estellita André, 52 anos, que morreu — e a neta, Maria Eduarda de Paula Lopes, 4 anos.

A pequena não sofreu nenhum arranhão graças à avó, que trazia ela no colo e a abraçou. “Só pode ter sido Deus que protegeu”, disse o pai da menina e filho de Vera, Bruno Cesar de Paula, 29, que soube do acidente pelo rádio.

Ele e a mulher, mãe da criança, estão no hospital de Teresópolis com a filha. Vera tem problema de pressão e ainda não sabe da morte do marido.