São Paulo -  No documentário "Camp 14 Total Control Zone", o diretor alemão Marc Wiese conta a impressionante história, já descrita antes em livro, do norte-coreano Shin Dong-Hyuk. Nascido e criado em um campo de prisioneiros de seu país junto com seus pais e irmão, Don-Hyuk narra como era a vida de fome e violência física que suportava até se tornar a única pessoa conhecida, das estimadas 200 mil que vivem nos campos norte-coreanos, a escapar da prisão política.
Cena de 'Camp 14 Total Control Zone' | Foto: Dovulgação
Cena de 'Camp 14 Total Control Zone' | Foto: Dovulgação
Quase sem imagens da prisão norte-coreana (por razões óbvias), o diretor Marc Wiese recorreu a animações para representar as memórias do Don-Hyuk na prisão. Além disso, entrevistou guardas que trabalharam no campo de concentração, expondo a assustadora naturalidade com que falam sobre torturas e execuções.
Nesse ponto, é difícil não lembrar como Hannah Arendt se surpreendeu ao assistir ao julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann depois da Segunda Guerra. Em vez da crueldade que esperava ver no réu, o que Arendt identificou foi um funcionário, um burocrata que, inserido em um sistema, cumpria ordens dos seus superiores.
Mas a cena mais recorrente no documentário é simplesmente Shin em sua casa, sentado na escada, contando sua história. Ao contrário do que pode sugerir, a escolha do diretor não deixa o filme maçante nem ameniza o impacto que a história causa. A voz e a o rosto de Shin, perturbados pelas lembranças que o entrevistador o obriga a reviver, acabam sendo, de longe, muito mais fortes do que as ilustrações gráficas ou quaisquer outras cenas.
Durante os 104 minutos de filme, então, vemos que o Camp 14, única realidade que o protagonista conhecia até fugir, tem uma influência tão determinante na maneira como ele estabelece suas relações com os outros e com o mundo que as referências morais “normais” são substituídas pelas regras impostas pelos guardas. Em um trecho, o norte-coreano descreve como ele mesmo denunciou uma tentativa de fuga da mãe e do irmão e depois os assistiu sendo publicamente fuzilados.
Mais do que o conto heroico de um prisioneiro que fez o impossível para fugir das torturas e condições precárias de um campo de concentração, o filme "Camp 14: Total Control Zone" é sobre a relação contraditória de Shin com a própria biografia.
Ao mesmo tempo em que, quando olha suas cicatrizes no espelho, sente raiva e incompreensão pela tortura que sofreu, o norte-coreano tem dificuldades para se adaptar ao mundo fora da prisão. Ou porque, como ele diz, se incomoda com um mundo regrado pela lógica do dinheiro, ou por não conseguir lidar com a infinidade de possibilidades e escolhas de uma vida livre, Shin chega a uma conclusão surpreendente: se pudesse escolher, voltaria a viver no campo de prisioneiros onde nasceu.



As informações são de Bruno Fávero do iG