Rio -  A chacina no Parque Gericinó, na Baixada Fluminense, deixou mais do que seis jovens vítimas, mortos com requintes de crueldade por traficantes de Mesquita. No Cabral, bairro de Nilópolis onde moravam os rapazes, familiares e amigos estão em estado de choque.

“Os meninos não só não tinham nada a ver com tráfico como não consumiam drogas. Eram até bobos demais se comparados com outros jovens da mesma idade. O negócio deles era Internet, samba, funk e futebol. Muito futebol”, relembrou Paloma Carvalho, que é irmã de Patrick Machado, 16 anos, e madrasta de Christian Vieira, 19, duas vítimas. Ao lado do irmão Paulo, ela contou como foram os últimos momentos ao lado dos dois rapazes, no sábado.
Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
Iracema no quarto do neto Josias com as camisas do Fluminense e medalhas que <CW-27>ele ganhou no time que jogava | Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
“Eles almoçaram aqui em casa, comeram arroz, feijão, frango e salada de beterraba. O Chris lavou a louça e depois eles saíram. Pensei que eles iriam jogar bola, mas à noite a namorada do Chris veio aqui, preocupada, dizendo que eles tinham ido à cachoeira e não tinham voltado para a casa. Quando ligamos para o celular, um cara atendeu e disse: “Eles foram cumprir uma missão. Se quiserem um filho, vão ter que fazer outro”, contou, ainda muito assustada.

A dor pela perda do irmão e do enteado ainda terá desdobramentos. Paloma, ao lado de Paulo, mostram uma força incomum para lidar com o ocorrido.

O motivo? Precisam cuidar dos pais, que não conseguem comer nem mesmo se comunicar desde que receberam a notícia da morte dos seis rapazes.

“Ninguém consegue acreditar no que aconteceu. Se fossem bandidos, não haveria centenas de pessoas no enterro. Não sabemos como agir, com quem estamos lidando. Se os responsáveis não forem presos, daqui a pouco a polícia vai embora e eles vêm atrás da gente. O que a gente faz?”, questionou Paulo, com o olhar distante, em busca da resposta que não vem.

Josias e Douglas: loucos pelo Fluminense

As vítimas da chacina tinham muito em comum. Fãs dos grupos de pagode Exaltasamba, Nosso Sentimento e Pixote, eles também gostavam dos MCs Naldo e Ticão e, claro, da Beija-Flor, escola de samba orgulho de dez entre dez nilopolitanos.

O futebol também era o sonho dos garotos, sobretudo de Josias Searles, 16 anos, e Douglas Ribeiro, 17, que frequentemente trocavam o pagode pelas partidas do Fluminense.
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Janaína, mãe de Glauber, e outros parentes relembram as preferências do jovem: adorava batatas fritas | Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
“Ele só ia para a rua com a camisa tricolor. Morreu uniformizado. Outra camisa foi com ele no caixão. Queria ser o Fred”, conta Daniel, irmão caçula de Josias, mostrando o quarto enfeitado com pôsteres do clube, tentando fazer as vezes de Dona Renata, mãe de Josias, que abriu a casa à equipe do jornal O DIA, mas não conseguia parar de chorar.

O mesmo aconteceu com a família de Glauber Siqueira, 17 anos. Dona Janaína contou um pouco sobre o filho: paixão por batata frita e felicidade por ter sido convocado pelo Exército, mas a emoção foi maior.

“Quando eu pedia para ele diminuir o som, dizia, ‘pô, coroa, quebra essa’. E agora? O que faço?”, questionou. A família de Victor Hugo Costa, 17 anos, outra vítima, não estava em casa nnesta quarta-feira.

Tristeza na escola onde jovens estudaram

No Colégio Estadual Nuta Bartlet James, onde quatro dos seis jovens estudavam, a volta às aulas foi marcada por tristeza e receio — o funcionamento estava suspenso desde segunda.
Poucos alunos voltaram à rotina. As turmas estavam vazias e os estudantes foram liberados antes do tempo. “O clima está pesado. Ninguém está com cabeça”, contou aluno, que conhecia o grupo, homenageado por um funk composto por MC Bruninho (abaixo).
Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
No quarto de Christian, a família deixou lembrança de uma das atividades que ele gostava: soltar pipas | Foto: Ernesto Carriço / Agência O Dia
Parentes dos mortos na chacina poderão integrar o programa de proteção à testemunha. Nesta quarta-feira, representantes da Secretaria Estadual de Assistência Social e de Direitos Humanos estiveram na 53ª DP (Mesquita) para oferecer o apoio, e apresentaram aos familiares das vítimas assistência médica e psicológica.

A missa de sétimo dia será domingo, às 15h, no Ginásio Esportivo do Cabral, em Nilópolis.

Funk: Dá vontade de chorar


A saudade tá batendo
A raiva tá aumentando
Quero ficar sozinho
Pois a dor vai passando

Não dá pra acreditar
Tava com nós dia a dia
Vem uma notícia do nada
De que tiraram suas vidas

Momentos de zoação
Vai ficar na minha lembrança
Olho pro céu estrelado
Fico sem ver uma esperança

Se a força acabar
A moral vai sustentar
A sua imagem no Céu
Vai fazer Deus nos guiar
A vida é louca
Deixa eu cantar
Quando eu lembro do Chris
Dá vontade de chorar
Quando eu lembro do Patrick
Dá vontade de chorar
Quando eu lembro do Vitor
Dá vontade de chorar
Quando eu lembro do Josias
Dá vontade de chorar
Quando eu lembro do Glauber
Dá vontade de chorar
Quando eu lembro do Douglas
Dá vontade de chorar