quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A possibilidade de contratação do atleta menor de futebol e a utilização do instituto da antecipação de tutela para transferência do atleta de futebol Ricardo Georges Affonso Miguel 1


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A possibilidade de contratação do atleta menor de
futebol e a utilização do instituto da antecipação de
tutela para transferência do atleta de futebol
Ricardo Georges Affonso Miguel
1
1. A possibilidade de contratação do atleta menor de futebol
O direito do trabalho tem se deparado frequentemente com o tema relacionado à
contratação e transferência de atletas menores e clubes de futebol ou entidades formadoras
tanto no Brasil como no exterior.
O dia a dia e as discussões surgidas a respeito mostram que a legislação brasileira
não atende plenamente à demanda prática, destoa da legislação internacional e gera uma
incompatibilidade com o mercado do futebol.
Os clubes formadores, por sua vez, não recebem pelo investimento nos atletas mirins,
os quais muitas vezes acabam explorados por maus profissionais, na ansiedade de um possível
sucesso que realizará os sonhos de uma família, em regra, carente.
A dificuldade econômica das famílias tem sido a principal responsável pela exploração
de que são vítimas os menores, desde a primeira infância e nas mais variadas épocas
da humanidade
2
.
Para alguém que gosta de futebol, joga bem futebol,  mas tem mais possibilidades, a vida
de atleta é uma oportunidade; para o menos favorecido, é possivelmente a única. Logo, temse que os atletas menores, em sua esmagadora maioria, vêm de classes menos favorecidas,
necessitando, pois, de proteção estatal para evitar efetiva exploração, vedada moral e
constitucionalmente.
 Há necessidade de uma legislação específica e protetiva dos atletas menores, sem que
clubes, investidores e empresários percam interesse e dinheiro e, sem que deixe de ser um país
formador, o Brasil seja também um país de investimentos. Assim não será tão necessário que
muito cedo nossos jogadores mirins abandonem suas famílias para morar e trabalhar no exterior
de uma forma totalmente avessa ao sistema legal genérico e contrária à própria regulamentação
da Fédération Internationale de Football Association  – Fifa.
O que se pretende é a harmonização e compatibilização de legislações e busca da
pacificação da relação jurídica existente entre atletas menores e seus clubes ou entidades
formadoras, de modo que esses atletas tenham bons contratos sem prejuízo de sua formação
geral, e os clubes recebam pelos investimentos vertidos.
1. Juiz do Trabalho Titular da 13ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro e professor dos cursos de graduação e pósgraduação em Direito da Universidade Cândido Mendes, RJ.
2. BARROS, Alice Monteiro de.  Contratos e regulamentações especiais de trabalho:  peculiaridades, aspectos
controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 304.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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Atualmente, após a Emenda Constitucional nº 20/98, o trabalho do menor só é permitido
a partir de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, o que ocorre a partir de 14 anos (art. 7º,
XXXIII, CRFB). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por sua vez, disciplina no art. 402 que é
considerado menor o trabalhador com menos de 18 anos. Conforme o artigo 2º do Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069/1990), é adolescente aquele que tem idade entre
12 e 18 anos e criança, o menor de 12 anos
3
.
Outrossim, o artigo 227 da Constituição da República dispõe ser
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
O fato de famílias depositarem esperança na possível carreira de atleta dos filhos não
significa necessariamente violação ao teor do artigo 227 da Constituição da República, eis
que incentivar o desenvolvimento do dom futebolístico de uma criança ou adolescente é, na
verdade, uma das formas de cumprir o preceito constitucional.
O artigo 5º da Lei nº 6.354/76 dispõe que o jogador de futebol deverá ter idade mínima
de 21 anos, admitindo a celebração de contrato mediante representação legal entre 16 e 21
anos. A Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), que revogou parcialmente a anterior, manteve os mesmos
parâmetros. Após 18 anos, na falta ou recusa do representante legal, poderá haver suprimento
de outorga (autorização do representante legal) pela via judicial
4
.
A Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz ser de 15 anos
a idade mínima para o trabalho, mas admite a redução para 14 anos quando necessária à
economia e à realidade social do Estado-membro. O Brasil é um desses casos, mas, de toda
sorte, quando internalizou essa norma, ela já era adotada na nossa Constituição.
A Lei Pelé admite a contratação e profissionalização do atleta menor a partir de 16
anos, mas impõe como exigência um contrato com prazo não superior a cinco anos (art. 29)
e preferência de renovação do mesmo com o clube formador por até dois anos. Entretanto,
nesse particular há um conflito de normas, pois o  regulamento da Fifa limita em três anos
o prazo contratual. Logo, as entidades de administração do desporto (no caso brasileiro, a
Confederação Brasileira de Futebol – CBF) apenas realizam o registro de contrato de menor
pelo prazo máximo de três anos
5
.
O artigo 19 do regulamento de transferência de atletas da Fifa permite apenas a atletas
maiores de 18 anos a transferência internacional, excepcionando três situações: mudança dos
pais do jogador para trabalho não relacionado ao futebol, mudança entre países da União
Europeia/Área Econômica Europeia e distância não superior a 50km entre a residência do atleta
e a fronteira dos países e também entre esta e o clube.
3. Em que pese a disposição do artigo 64 da Lei nº 8.069/1990: Ao adolescente até 14 anos de idade é assegurada
bolsa de aprendizagem, o mesmo está revogado pela Constituição desde a emenda nº 20/98.
4. BARROS, Alice Monteiro de.  Contratos e regulamentações especiais de trabalho:  peculiaridades, aspectos
controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 111.
5. ABIDÃO NETO, Bichara; MOTTA, Marcos. O êxodo de jogadores menores e a necessidade de maior proteção a sua
formação e transferência. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto
Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009, p. 84.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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O mesmo regulamento também dispõe que o certificado de transferência não pode ser
requerido por atletas menores de 12 anos.
Portanto, no Brasil o atleta só se profissionaliza a partir de 16 anos, porém a transferência
só ocorrerá, salvo as exceções, aos 18 anos
6
.
Atualmente tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) o projeto
PLS 238/04
7
 no mesmo sentido da proibição da Fifa. Se aprovado, andará bem a legislação
brasileira para a harmonização com os critérios da Fifa.
Ocorre que, de toda sorte, estas transferências têm acontecido cada vez mais cedo, em
total burla à legislação nacional e ao regulamento da Fifa. Esse êxodo de atletas mirins, ainda
que financeiramente vantajoso para suas famílias, está desprovido de proteção e é contrário a
todo arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional de proteção ao menor
8
.
Basicamente defendemos a ideia de que o atleta menor deve ter restringida a
possibilidade de transferência para o exterior e para outros clubes do Brasil, de modo que
o clube formador tenha mais garantias pelos investimentos efetuados e o menor, mais
estabilidade na sua formação educacional e familiar. Para tanto, devem existir garantias de
maior aderência do atleta menor ao clube de origem.
Como dito acima, o artigo 29 da Lei Pelé dispõe que o primeiro contrato profissional
entre o clube e o atleta pode ser assinado a partir de 16 anos de idade com duração máxima
de cinco anos. Os parágrafos 5º, 6º e 7º preveem formas de ressarcimento à entidade ou clube
formador no caso de a contratação ocorrer por terceiro, determinando parâmetros. Estabelece,
também, a preferência na renovação, observado o limite de dois anos.
Porém, está em discussão o Projeto de Lei nº 5.186/05
9
 para alteração da lei, o qual
propõe, na nova redação do artigo 29, o aumento da indenização paga à entidade formadora
quando não for realizada a contratação por vontade do atleta ou vinculação à outra entidade
desportiva, mantendo a preferência de renovação com ampliação do prazo do novo contrato para
três anos – o que, se aprovado, ficará em consonância com o regulamento da Fifa.
Tratando-se de preferência de renovação e não obrigação, o atleta é livre para negociar
contratos mais vantajosos, mas o clube formador deve ser ressarcido, acirrando a competição
pelo jogador e aquecendo o mercado de trabalho.
Portanto, a mudança expressiva refere-se à proteção da entidade ou clube formador,
pois esses investiam no atleta do futuro e depois apenas amargavam prejuízos.
Contudo, sabe-se que, para um atleta obter sucesso nesse mundo competitivo, a
idade para despontar é de 15 anos, pois a partir dos 16 pode firmar o contrato definitivo e
ser considerado profissional. Em razão disso, tem-se buscado promessas de idades cada vez
menores, fazendo-se o investimento. Em alguns casos, são firmados contratos que aguardam o
atleta completar 18 anos para que haja a transferência oficial pelos critérios regulamentares da
6. ABIDÃO NETO, Bichara; MOTTA, Marcos. O êxodo de jogadores menores e a necessidade de maior proteção a sua
formação e transferência. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto
Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009, p. 85.
7. Disponível em <http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=96298&codAplicativo=2&cod
Editoria=3>. Acesso em 11 nov. 2009.
8. COURA, Kalleo. Chuteiras que valem ouro. Revisa Veja. 2112. ed., ano 42, n.19, 13maio2009, p. 81.
9. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/pl/2005/msg251-050504.htm>. Acesso em 11 nov.
2009.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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Fifa. Porém, em outros existem subterfúgios para que haja a transferência a curto prazo, a fim
de garantir o retorno financeiro rapidamente.
Hoje existem entidades desportivas apenas destinadas à formação de atletas. Não
disputam nenhum campeonato, mas formam atletas
10
. Conforme o projeto de lei em referência,
será necessária a participação em competições oficiais. Também surgiram os investidores,
empresas que nada têm de futebol na sua atividade-fim, mas investem em compra de direitos
decorrentes das vendas dos atletas. Isso passou a ser possível quando a Lei Pelé aboliu o
instituto do passe, que se traduzia na vinculação do atleta ao clube.
Contratos são realizados com condição suspensiva, vale dizer, o investidor receberá o
percentual de lucro quando – e se – houver negociação do atleta. Logo, se o clube vendeu 50%
dos direitos que receberá quando da negociação por ser formador, o investidor receberá esse
percentual na venda.
Na relação, são identificadas as seguintes partes: atleta (com representante legal), clube
ou entidade formadora, investidor (que pode ou não existir) e clube interessado.
A diferença entre a entidade formadora e o clube é que a primeira não disputa
campeonatos, apenas forma o atleta e, eventualmente, o empresta aos clubes, a fim de que
estes funcionem como vitrines para o jogador aparecer para outros clubes, nacionais ou
estrangeiros.
A legislação atual não veda isso, e a alteração legislativa prevista no Projeto de Lei nº
5.186/05, no artigo 29, parágrafo 2º, incisos II e VII, passa a exigir que a entidade, para ser
considerada formadora, tenha participação em competições oficiais.
Essas instituições são, sem dúvida, uma ótima forma de proteção ao atleta, pois exigem
dele o comparecimento escolar, mantêm serviços médicos e odontológicos (há a mesma
exigência no projeto de lei) e acompanhamento de preparadores físicos, além de outros
benefícios, o mesmo ocorrendo com clubes tradicionais que honram a máxima de que “craque
se faz em casa”. Mas não se pode esquecer que, necessariamente, estarão esses jovens privados
do convívio familiar diário na época em que mais precisam dele. A rotina de treinos e exercícios
é cansativa. A remuneração, chamada de ajuda de custo ou bolsa, é em vários casos verdadeiro
salário, muitas vezes traduzido também em presentes, a fim de manter a fidelidade do atleta.
Essas entidades bem montadas ainda são exceção. A maioria não se preocupa com
a educação, e os atletas acabam abandonando os estudos, sendo que muitas vezes ficam
adstritos a pretensos empresários, que os levam para testes (peneiras) em Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, entre outros estados da Federação, tornando
impossível a visitação dos pais (normalmente de baixo poder aquisitivo) e, também, a matrícula
em qualquer escola.
Tudo isso visa, além do lucro, é claro, à transferência do jogador para a Europa ou Ásia,
pois não é novidade que os salários pagos nessas regiões superam de longe os pagos no Brasil.
Em razão disso, alguns clubes que não pretendem esperar e se sujeitar às regras normais da Fifa
para a transferência (mínimo de 18 anos) utilizam a exceção do artigo 19, 2, a, do regulamento
da Fifa, ou fazem praticamente o mesmo, mas sem formalizar a transferência do atleta.
Como artifício, emprega-se o pai do atleta, ocasionando a mudança de domicílio. Isso
atualmente é de extrema facilidade, pois há o interesse de investidores, pessoas jurídicas não
relacionadas diretamente com o futebol, que podem empregar o pai do atleta em qualquer
10. COURA, Kalleo. Chuteiras que valem ouro. Revisa Veja. 2112. ed., ano 42, n.19, 13 maio 2009, p. 82.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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função. O mesmo acontece com empresas patrocinadoras do clube de futebol, verdadeiras
parceiras no negócio, ou, ainda, com empresas cujos sócios majoritários são os verdadeiros
donos de clubes de futebol, como ocorre exemplificativamente com alguns clubes italianos,
ingleses e russos. Há ainda hipóteses de vistos de estudos para registro da transferência
internacional, o que agride o regulamento da Fifa. Obviamente, essa não é apenas uma
preocupação formal ou técnico-jurídica, mas também social: há casos de abandono de jovens
africanos na Europa, pois, após uma tentativa malsucedida, não compensa financeiramente o
retorno ou qualquer outro investimento
11
.
Além disso, existem atletas, agora maiores, contratados por clubes de países distantes e
de cultura muito diferente da vivida por eles no Brasil, que não mais trocariam o seio familiar
por dinheiro algum12
.
Outra dificuldade que enfrentam é o idioma, ainda mais quando se trata de um atleta
de baixa escolaridade. Tudo isso adicionado à saudade da família e da terra natal provoca
depressão, podendo gerar o envolvimento com drogas e levar o jovem a um estilo de vida
pouco condizente com a de um verdadeiro atleta.
Os clubes se desinteressam por esses profissionais que acabam amargando um retorno
para o Brasil sem muito sucesso, ou mesmo um encerramento precoce da carreira, antes
promissora.
Deve haver ação conjunta entre governo e profissionais do desporto, de modo que
a legislação não seja burlada, mas adequada à do resto do mundo. É necessário que haja
conscientização de que o dinheiro pode não compensar tanto quanto pareça aos atletas
menores. A adoção de atitudes afirmativas voltadas à educação deles evitará o abandono dos
estudos até que completem o ensino médio.
Normalmente só nos chega a informação do sucesso. Mas certamente esses casos são
minoria. A maioria é de fracassos, percalços e decepções. Não queremos isso para crianças e
adolescentes, mesmo porque não é o que está insculpido na Constituição. De nada adianta
termos uma legislação interna forte se ela não é observada dentro ou fora do país. Isso
apenas descredibiliza o Brasil no exterior, indo de encontro ao preconizado por organismos
internacionais de proteção aos direitos humanos e educação, mantendo a nossa carapuça
de país de exploração. Quer-se uma visão do Brasil como um país formador de bons atletas
do futebol, exportador de talentos e respeitador da legislação, de modo a viabilizar retorno
financeiro aos nossos clubes e empresas.
A Corte de Arbitragem do Esporte - CAS, instância revisora das decisões do Comitê
de Resoluções e Disputas – DRC e da Comissão do Estatuto do Jogador – PSC
13
, tem decidido
invalidar os registros de atletas menores quando a transferência é efetivada em burla à
legislação, no que concerne às exceções acima mencionadas. Com isso, há a proibição de o
atleta atuar pelo clube
14
.
11. ABIDÃO NETO, Bichara; MOTTA, Marcos. O êxodo de jogadores menores e a necessidade de maior proteção a sua
formação e transferência. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto
Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009, p. 86.
12. COURA, Kalleo. Chuteiras que valem ouro. Revisa Veja. 2112. ed., ano 42, n.19, 13 maio 2009, p. 81.
13. A CAS é um órgão autônomo que, por acordo, é instância recursal das decisões da FIFA. O DRC e a PSC são órgãos
da FIFA.
14. ABIDÃO NETO; MOTTA, loc.cit.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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Preocupadas com esse êxodo de atletas, as autoridades desportivas internacionais
resolveram agir efetiva e preventivamente, ao contrário de apenas julgar questões surgidas.
Entenderam por bem alterar o Regulamento de Transferência da Fifa: a) aumentando o valor da
compensação por formação dos atletas entre 12 e 15 anos (art. 20); b) integrando academias
e escolas de futebol ao Sistema do Futebol, com seus atletas relacionados nas associações
nacionais;  c) sujeitando transferências internacionais e registros de atleta estrangeiro menor
à autorização de um órgão dentro do Comitê do Estatuto do Jogador; e d) fazendo constar as
transferências do Sistema Eletrônico de Transferências da Fifa, com certificados internacionais
de transferência emitidos eletronicamente, logo, com maior publicidade
15
.
Outra ação positiva seria a negociação entre clubes internacionais com a participação e
aquiescência dos atletas a partir de 16 anos, para a transferência ocorrer aos 18 anos, garantindo
a formação do atleta no clube de origem e a compensação deste pelo investimento
16
. Tal ação é
totalmente coerente com as disposições do direito civil acerca da emancipação do menor entre
16 e 18 anos que tenha relação de emprego com economia própria (artigo 5º, parágrafo único,
do Código Civil).
Porém, para parte da doutrina justrabalhista, a emancipação não revogaria os
dispositivos de proteção ao menor quando seu fundamento for a idade, aplicando-se os artigos
406 e seguintes da CLT
17
.
Pensamos da mesma forma, ressalvando que devem ser guardadas as proporções
relacionadas à especificidade do atleta menor de futebol, na análise de eventual problema que
venha a surgir para a manifestação das autoridades judiciárias da infância e da juventude e da
Justiça do Trabalho.
Exemplificativamente, é o que ocorre com a proibição do trabalho noturno do
menor. No caso de atleta profissional menor de 18 anos há espetáculos (jogos) que iniciam
aproximadamente às 21h45min. Nesses casos, não há razão para aplicar a norma trabalhista do
art. 404 da CLT, que veda o labor do menor entre 22 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte,
pois há situação específica do trabalho do atleta de futebol.
No Brasil, a Lei Pelé prevê no parágrafo 4º do art. 29 a possibilidade de relação entre o
atleta em formação dos 14 aos 21 anos de idade, não profissionalizado, e a entidade de prática
desportiva formadora, dispondo não haver vínculo empregatício, já que o primeiro contrato
profissional só poderá ocorrer a partir de 16 anos, nos termos do  caput do artigo. Prevê
também a possibilidade de remuneração através de auxílio financeiro e a indenização do clube
formador, conforme incisos do parágrafo 6º.
Entendemos que a natureza jurídica dessa relação entre atleta menor e clube ou
entidade formadora, em que pese inexistente a relação empregatícia, por vedação legal e
constitucional, é de direito do trabalho, como contrato de aprendizagem (art. 428 da CLT), o
que se conclui pela própria interpretação literal do dispositivo em comento. Fazemos a ressalva,
contudo, que apesar da exclusão do vínculo de emprego feita na Lei Pelé, que é específica, o
15. ABIDÃO NETO, Bichara; MOTTA, Marcos. O êxodo de jogadores menores e a necessidade de maior proteção a sua
formação e transferência. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto
Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009, p. 87.
16. ABIDÃO NETO; MOTTA, loc.cit.
17. CASSAR, Vólia Bomfim.  Direito do Trabalho. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008, p. 550.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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contrato de aprendizagem é um tipo especial de contrato de trabalho
18
. Prevalece, no caso, a
excludente da Lei Pelé em virtude da especialidade da norma, pois esta se sobrepõe à norma
genérica da CLT.
O Projeto de Lei que altera a Lei Pelé pretende incrementar, a partir do art. 29-A,
as formas de proteção ao clube formador, dando a este o direito de assinar com o atleta o
primeiro contrato aos 16 anos, com prazo máximo de cinco anos, prevendo, caso isso não
ocorra por vontade do atleta ou contratação por outra entidade (assim como na Lei Pelé já está
disposto), as indenizações já transcritas. Em outras palavras, tenta-se regulamentar o aumento
das indenizações aos clubes formadores, bem como o seu direito de preferência de renovação,
reduzindo, no art. 29-C, a idade de atleta em formação, logo, acompanhando a realidade. Além
disso, ainda que mantida a inexistência de vínculo de emprego, para que continue adequado à
Constituição e à Consolidação das Leis do Trabalho, há mais proteção aos interesses do atleta e
do clube formador.
A disposição do art. 29-C diz que o atleta em formação é aquele com idade entre 12 e
21 anos. Não há previsão de nenhum pagamento, mas apenas de ensinamentos necessários
à formação do atleta. Para o atleta a partir de 14 anos o pagamento de auxílio financeiro está
mantido.
Essa diferenciação existe em razão das disposições constitucionais acerca da idade do
trabalho do aprendiz, pois não pode haver aprendizagem entre 12 e 14 anos, logo não pode
haver a remuneração.
Portanto, a relação do atleta entre 12 e 14 anos e o clube seria de escolinha de futebol,
categoria “fraldinha”
19
, não sendo admitida contratação, nem aprendizagem, mas apenas
formação. Dessa maneira, não haveria uma segurança plena do clube à luz do direito do
trabalho em razão dos questionamentos de validade dessa relação, e o atleta não receberia
nada.
Indiscutivelmente, há um avanço no que concerne à adequação das previsões do
projeto de lei e da realidade do início da vida de atleta. Contudo, não soluciona o problema,
pois há casos de contratos de atletas com menos de 12 anos, inclusive, mas firmados de forma
escamoteada. Nesses casos, inexoravelmente, ter-se-á que aplicar a legislação pura e simples,
o que poderá ser concluído, trabalhisticamente falando, como um contrato proibido, gerando a
sua nulidade e prejuízos para ambas as partes
20
.
A declaração judicial de que se trata de um contrato proibido gerará a sua ruptura
imediata, efeito de rescisão contratual, com declaração de nulidade. Desse modo, o clube ou
entidade contratante amargará prejuízo e o menor deverá ser ressarcido pelo seu trabalho,
para evitar o enriquecimento sem causa do tomador de serviços. O juiz deverá estipular “uma
compensação razoável”, nos termos dos artigos 593 e 606 do Código Civil
21
.
Desde uma perspectiva comparada observamos que o Código Português prevê efeitos
de relação de trabalho. Já o Código Civil italiano dispõe no artigo 2.126, parágrafo 2º, o
18. O menor aprendiz é empregado, destinatário de um contrato especial de trabalho, diversamente do que acontece
com o estagiário. BARROS, op.cit., p. 85.
19. REIS, Paulo Sérgio Marques dos. Dos clubes formadores: mecanismos de solidariedade.  In: Atualidades sobre
direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema,
2009, p. 255.
20. Ibid., p. 85.
21. Ibid., p. 85.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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ressarcimento correspondente ao valor que um trabalhador autônomo receberia na realização
do mesmo labor
22
.
Lembramos que tais dispositivos do direito comparado não se referem ao futebol,
mas sim ao trabalho proibido. Apenas servem de parâmetro para entendermos os problemas
possivelmente emergidos da contratação do atleta menor de 14 anos.
Na esteira do problema da nulidade do contrato do menor, há outras vozes da doutrina
com posições diferentes para o eventual ressarcimento do menor. Há quem entenda não haver
nenhuma forma de indenização decorrente de nulidade (art. 182 do Código Civil); também há
corrente defendendo o pagamento dos salários não quitados e a decretação da nulidade e rescisão
do contrato, bem como, em alguns casos, o pagamento de FGTS; e finalmente, o entendimento de
que todas as verbas devem ser pagas como um contrato válido rompido em dispensa imotivada
23
.
No caso, defendemos como solução a hipótese de se recorrer a um contrato de natureza
civil mediante autorização do juiz da Vara da Infância e da Juventude, como ocorre com
contratos de artistas mirins.
O artigo 149, I, a, do ECA prevê a entrada e permanência de criança ou adolescente,
desacompanhada dos pais ou responsável, em estádio, ginásio ou campo desportivo. Porém,
esse dispositivo diz respeito à exibição do espetáculo e à criança ou ao adolescente como
espectador, não como atleta.
O mesmo artigo, no inciso II, letra a, prevê que a autoridade judiciária disciplinar poderá
autorizar por portaria ou alvará a participação da criança ou adolescente em espetáculos
públicos, ensaios e certames de beleza
24
.
Sendo assim, o atleta de futebol menor entre 12 e 14 anos poderia ser efetivamente
contratado por clube ou entidade formadora através de contrato de natureza civil, respeitados
os limites do ECA, com as autorizações pertinentes e a representação para o suprimento da
capacidade do menor pelos pais ou responsável. Isso permitiria o pagamento de remuneração,
que, no nosso entender, daria mais segurança ao atleta e ao clube.
O afastamento do vínculo de emprego, de acordo com a Lei Pelé, é desnecessário, pois
decorre da própria CLT, sendo a relação jurídica de direito do trabalho com natureza de contrato
de aprendizagem a partir de 14 anos e, para os menores dessa idade, um contrato de natureza
civil com interveniência da autoridade da infância e da juventude.
Não há nenhuma afronta à norma constitucional, já que tudo será realizado com a
interveniência dos pais ou responsáveis e das autoridades judiciárias da infância e da juventude.
Não fosse assim, programas de televisão infantis e a novela no horário nobre há muito estariam
maculados pela infração constitucional.
Contudo, para o sucesso dessa proposta também é necessário garantir ao clube a
segurança do cumprimento do contrato. Não vislumbramos nenhuma ilegalidade em constar do
contrato uma multa na hipótese de rompimento por responsabilidade exclusiva do atleta, multa
esta a ser custeada pelo clube que se beneficiar da quebra contratual, ou pelos representantes
22. REIS, Paulo Sérgio Marques dos. Dos clubes formadores: mecanismos de solidariedade.  In: Atualidades sobre
direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema,
2009, p. 86.
23. CASSAR, Vólia Bomfim.  Direito do Trabalho. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008, pp. 542-544.
24. BARROS, Alice Monteiro de.  Contratos e regulamentações especiais de trabalho:  peculiaridades, aspectos
controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 86.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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legais do atleta menor, conforme o caso. Se isso existe na esfera de responsabilidade civil (artigo
932, I, do Código Civil), não há motivo para afastá-la das esferas trabalhista e futebolística.
Acerca do ressarcimento de clubes e investidores na formação dos atletas mirins, no
regulamento da Fifa de transferência de jogadores já estão previstas as quantias pagas por
terceiros à entidade de prática desportiva em um percentual de 5% distribuídos entre as
entidades formadoras do atleta, o que se denomina mecanismo de solidariedade.
Certamente essas medidas farão com que haja maior aderência dos atletas aos seus
clubes de origem, valorizando os seus contratos futuros e fazendo com que as transferências
para o exterior ou para outros clubes só ocorram quando efetivamente o atleta já estiver
formado pessoal e futebolisticamente, bem como gerando maior interesse dos clubes em
manter o atleta nos seus quadros. Ao mesmo tempo, teremos uma diminuição da exploração
do atleta infantil, autorizando a sua contratação e remuneração.
A finalidade da Constituição, ao proibir o trabalho do menor, é impedir a exploração. Se
este trabalho representa uma oportunidade formalizada através de um contrato chancelado
pela autoridade judiciária competente, fica afastada a violação ao preceito constitucional.
Está em discussão no Senado Federal o Projeto de Lei PLS nº  83/06
25
, no qual se pretende
regulamentar a atividade e contratação de menores para atividades artísticas. A esse projeto foi
apresentado um aditivo para extensão da possibilidade de contratar atletas menores.
Porém, como já concluímos, apesar de louvável a produção legislativa, a contratação
de artistas e atletas mirins dispensa lei no sentido pretendido no projeto, pois a interpretação
da legislação existente já possibilita a contratar mediante autorização da autoridade judiciária
competente e dos pais ou responsáveis, conforme descrito no projeto.
Os atletas mirins mostram suas aptidões muito antes de o direito permitir a sua efetiva
proteção, o que pode dar margem à exploração dessas crianças, eis que aos clubes interessa ser
o precursor na descoberta de um talento.
Esse quebra-cabeças exige na sua montagem a devida atenção das autoridades públicas
e das entidades privadas relacionadas ao futebol, o que já vem ocorrendo, principalmente por
parte da Fifa. A legislação brasileira já evoluiu, e há projeto de continuar evoluindo na proteção
dos interesses de todos os envolvidos nos contratos.
A questão de proteção do atleta menor de futebol e o seu reconhecimento como
profissional é tema em constante mutação e que exige atualizações progressivas, eis que se
trata de uma aplicação prática a ser tutelada pelo Estado através de regulamentação jurídica.
A lei deve proteger o atleta menor, porém incrementar o investimento dos clubes e
entidades formadoras de atletas no Brasil, de modo que nosso país siga sendo reconhecido
mundialmente como um país formador e exportador de atletas de categoria, mas protegidos,
podendo desfrutar de boa e completa formação educacional, física, psíquica e futebolística, só
saindo de seus clubes de origem por conta das leis de mercado. Da mesma forma, os clubes,
investidores e entidades formadoras deverão sempre receber a indenização compatível com os
investimentos vertidos na formação dos nossos atletas.
Assim, harmonizam-se as legislações trabalhista, civil e futebolística, bem como a
legislação internacional, observada a estabilidade contratual que deve reger as relações dessa
natureza, de modo que todos os envolvidos sempre ganhem, não havendo prejudicados ou
25. Disponível em <http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=96045&codAplicativo=2&codEdito
ria=3>. Acesso em: 11 nov. 2009.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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perdedores. Essa compatibilidade de normas e interesses tutelados trará plena segurança
jurídica e econômica aos atores do universo do futebol.
Permitamos que as famílias possam cumprir o disposto no artigo 227 da Constituição
da República, interpretando esse preceito como o aproveitamento do dom e da habilidade de
crianças e adolescentes que deverão ficar afastadas das ruas, da fome, da miséria e das drogas.
2. A utilização do instituto da antecipação de tutela para transferência
do atleta de futebol
Introdução
A necessidade de compatibilização e harmonização das legislações trabalhista e
desportiva não existe apenas no plano do direito material, mas também no direito processual, já
que este se traduz no instrumento que viabilizará solucionar a aplicação daquele em eventuais
litígios surgidos entre atletas e seus clubes.
Considerando que compete à Justiça do Trabalho julgar essas causas, é de fundamental
importância que os operadores do direito nessa área entendam toda sistemática envolvida na
transferência do jogador de um clube para outro.
Com efeito, tem-se verificado que nem sempre a legislação da Fédération Internationale
de Football Association – Fifa é respeitada nas decisões judiciais, o que descredibiliza a atuação
das entidades desportivas e judiciárias brasileiras no cenário mundial, dada a penetração do
futebol no dia a dia da maioria dos países.
A Fifa editou regulamento próprio para a transferência de jogadores exatamente com o
intuito de dar estabilidade e segurança jurídica às negociações efetivadas entre atletas e clubes,
pois envolvem somas vultosas em dinheiro, portanto de relevo
26
.
Deve ser observado o que dispõe o parágrafo 1º do art. 1º da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):
Art. 1º [...]
§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais
e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas
entidades nacionais de administração do desporto.
Isso nos mostra que o intuito do legislador é manter coerência na aplicação de normas
nacionais e internacionais, gerais e específicas, em relação ao desporto – no caso, o futebol –,
evidenciando que nessa seara existem conflitos, mas não tantos quantos se poderia pensar,
máxime porque o próprio regulamento da Fifa determina o respeito à legislação nacional
27
.
Assim, o que se discute efetivamente é se a questão relacionada à transferência do atleta
de um clube para outro de país distinto é, de fato, de natureza trabalhista ou se, na verdade,
clubes e atletas têm se valido da Justiça do Trabalho, através do instituto da antecipação de
26. DOS ANJOS, Leonardo Serafim. Compatibilidade das regras de transferência da FIFA frente à legislação brasileira. In:
Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo.
27. Ibid., p. 191.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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tutela, para satisfazer suas vontades de forma mais célere e, muitas vezes, sem respeitar os
momentos legalmente estipulados na legislação futebolística
28
.
O regulamento da Fifa e as janelas de transferência
O termo  janela de transferência pode ser definido como o período de registro de
transferências internacionais de jogadores, o qual é fixado pela federação de cada país (no
nosso caso, a CBF).  Para nós isso vigora de 15 de janeiro a 8 de abril e de 3 a 31 de agosto, em
cada temporada
29
. A CBF fixou os períodos, mas não editou o seu regulamento próprio.
Nos termos do art. 6º do Regulamento de Transferência de Atletas (RSTP) da Fifa, o
atleta só poderá se inscrever para jogar por um clube durante um desses períodos anuais, salvo
a extinção do contrato do jogador antes de findo o prazo de inscrição.
Essa é a questão a ser observada pelo Judiciário Trabalhista na sua atuação cotidiana, ao
examinar pedidos de antecipação de tutela para inscrição de atletas intempestivamente. Deve
ser respeitado o comando da norma específica internacional (regulamento da Fifa), pois ele
deverá ser sempre obedecido pela entidade nacional responsável, qual seja, a CBF, além de
clubes e atletas, sob pena de imposição de penalidades previstas no regulamento.
Na verdade, o que ocorre é que os atletas ou clubes se valem do teor do art. 5º, XIII,
da Constituição Federal, que preconiza a liberdade de trabalho, desde que atendidas as
qualificações profissionais legalmente exigidas, bem como do fato de o art. 22 do regulamento
de transferência de jogadores da Fifa admitir a solução da disputa entre atletas e clubes no
tribunal trabalhista ordinário
30
, o que se coaduna com o princípio do livre acesso ao Poder
Judiciário, previsto em nossa Constituição.
Com efeito, é um equívoco jurídico desportivo entender que liberdade de trabalho seria
poder se transferir de um clube para outro, de uma federação para outra, sem respeito aos
prazos e limites estabelecidos no regulamento da entidade máxima do futebol, a qual, ainda
que privada, assim como as associações regionais, rege a orquestra do futebol, mantendo-o
organizado em todo o mundo. Apenas análise muito perfunctória poderia concluir pela
liberação do atleta de um clube e sua inscrição em outro, determinando isso à Federação. Aliás,
esta, por sua vez, fica em uma “sinuca de bico”, pois se de um lado é obrigada a cumprir o
regulamento futebolístico internacional, de outro não pode se escusar de dar cumprimento à
decisão judicial.
Sequer devemos buscar a solução para o problema, porque ele não deverá ocorrer. Basta que
se entenda que a transferência só será cabível nas hipóteses previstas no regulamento da Fifa e nos
períodos fixados pela CBF. Para aqueles que descumprirem isso, caberá a imposição de penalidades
específicas pelas entidades do futebol, não dizendo respeito à competência justrabalhista.
Cumpre salientar que a hipótese é de aplicação plena do próprio dispositivo
constitucional utilizado para se tentar a liberação da transferência. Com efeito, o inciso XIII do
art. 5º estabelece a liberdade de trabalho, desde que cumpridas as exigências profissionais
legais. Nesse caso, a lei da Fifa estabeleceu a exigência, qual seja, o prazo para registro da
28. PUCHEU, Mario. Divergências (eventuais) entre as normas relativas ao direito desportivo e decisões da Justiça
Trabalhista. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo.
29. Temporada é o período correspondente ao primeiro e ao último jogo oficial de um clube nos campeonatos
disputados em seu respectivo país de origem.
30. PUCHEU, op.cit., p. 234.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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transferência, lei internacional de aplicação no Brasil, conforme o parágrafo 1º do art. 1º da
Lei Pelé, norma específica para a matéria, em perfeita harmonia com o ditame constitucional,
portanto.
De outro lado, quando a Justiça do Trabalho decide a matéria de forma distinta da
prevista pela Fifa, dá-se ensejo à discussão acerca da possibilidade de esta punir atleta ou
clube pela conduta. Para uns, sendo instituição privada de cunho administrativo, está adstrita à
decisão da Justiça de qualquer país. Para outros, o seu regulamento é norma internacional que
deve ser respeitada, afastando a análise da Justiça do Trabalho
31
.
As regras ora estudadas aplicam-se aos casos de empréstimos de jogadores, sendo
certo que nenhum atleta poderá atuar por um clube sem o respectivo registro na federação
competente (artigos 10 e 11 do regulamento da Fifa).
O instituto da antecipação de tutela e seus requisitos nos casos de
transferência de jogadores:
O art. 273 do Código de Processo Civil regulamenta o instituto da antecipação de tutela,
plenamente aplicável ao Processo do Trabalho, com fulcro no art. 769 da CLT, já que este é
omisso em relação ao tema, permitindo a aplicação subsidiária daquele.
Na verdade, a omissão da CLT é relativa, pois o inciso IX do art. 659 da consolidação prevê
a possibilidade de o juiz conceder medida liminar para impedir transferência de empregado, em
aparente violação aos termos do art. 469 do mesmo diploma legal.
No nosso estudo estamos a tratar exatamente do contrário, vale dizer, de medida que
visa a possibilitar a transferência de jogador de futebol. Contudo, a interpretação do dispositivo
pode ser ampliativa e não literal, permitindo aplicação analógica para que o empregado possa
romper seu contrato e não ficar vinculado ao empregador. No caso do futebol, para que o atleta
possa considerar rompido antecipadamente seu contrato de trabalho e se transferir para outro
clube no exterior, em situação possivelmente melhor da que está vivenciando.
A natureza jurídica da medida do art. 659, IX, da CLT é de antecipação de tutela, pois o ali
disposto é anterior ao teor do art. 273 do CPC. De toda sorte, para que a medida seja levada a
efeito, é necessário que exista em sede de ação ordinária trabalhista pleiteando a aplicação do
art. 483 da CLT, qual seja, a rescisão antecipada do contrato de trabalho, comumente chamada
de rescisão indireta. É a justa causa do empregador, quando pratica conduta considerada grave
e capaz de gerar o rompimento do avençado.
Portanto, temos que o atleta que pretende se transferir para outro clube quando
ainda em curso seu contrato e fora da janela de transferência (na hipótese de transferência
internacional), caso não deseje pagar a cláusula penal (multa em favor do clube que autoriza
o rompimento antecipado) ou seu empregador não concorde com o rompimento, deverá
ter motivos para ajuizar ação pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho e a
antecipação dos efeitos da tutela para permitir seu registro na CBF e na Fifa, a fim de que possa
imediatamente passar a atuar por outro clube. Tal medida deverá ter como fundamento legal
os arts.  273 do CPC e 659, IX, da CLT, este último aplicado analogicamente, para pretender a
transferência. Já para fundamentar a ruptura do contrato, deverá invocar o art. 483 da CLT e os
arts. 28, parágrafo 2º, inciso III, e 31, parágrafos 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé).
31. PUCHEU, Mario. Divergências (eventuais) entre as normas relativas ao direito desportivo e decisões da Justiça
Trabalhista. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo, p. 234.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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Considerando o tempo de duração do processo, pelas razões de ruptura acima e
necessidade de transferência do atleta, vê-se que não há como se esperar a conclusão final da
ação. Logo, recorre-se à medida antecipatória de tutela. Para tanto, afastada a outra previsão
processual (inciso II do art. 273 do CPC, que, por ora, foge ao nosso objetivo), é fundamental o
preenchimento do requisito de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art.
273, I do CPC).
Esse requisito pode ser considerado como periculum in mora
32
, perigo na demora, sendo
o risco do pronunciamento jurisdicional perder seu efeito prático com a demora, fazendo com
que o dano causado ao interessado se torne efetivamente irreparável ou de difícil reparação.
Também é necessário que haja o fumus boni iuris, fumaça do bom direito, vale dizer,
aparência de que o interessado tem razão no que está pretendendo. Para a concessão da
medida deverá haver prova inequívoca no processo, isto é, prova inquestionável
33
.
Além disso, é necessária a verossimilhança, que é a probabilidade de veracidade do
alegado, uma forma de manifestação da aparência de razão do interessado
34
.
Transportando essas situações para a seara do atleta de futebol, temos que, ao analisar
a possibilidade de conceder a antecipação de tutela para a transferência do atleta, o juiz deverá
considerar se há no processo prova inconteste de violação dos citados dispositivos da Lei Pelé
(ou se foi paga cláusula penal pelo atleta e o clube está impondo dificuldades descabidas, o que
em regra não ocorre).
Considerar-se-á a urgência da medida, se o atleta poderá ser prejudicado com a demora
na transferência, perdendo contrato melhor ou mesmo condição de jogo em outros clubes
e competições. Porque, se concedida posteriormente, não reparará o dano, pois perdida a
oportunidade de contratação vantajosa e de disputa em campeonatos por outra equipe, sendo
certo que a indenização pecuniária nem sempre supre essa questão – algum tempo fora da
vitrine do futebol pode ser nefasto para o atleta.
Desta forma, estará presente a verossimilhança, ou certeza do direito de que o atleta, de
fato, deve ter seu vínculo desportivo com o clube réu rompido e o registro de sua transferência
efetivado para outro clube.
Quando essas situações não são observadas ou são analisadas de modo superficial,
levando-se em conta apenas a insatisfação do atleta e a mencionada interpretação do preceito
constitucional de liberdade ao trabalho, os efeitos para o futebol são, aí sim, irreparáveis, pois o
clube perde o trabalho de atleta importante, muitas vezes em meio a competições fundamentais,
prejudicando seu desempenho no contexto futebolístico e econômico-financeiro.
É certo que, ao conceder a medida antecipatória, o juiz, assim como os órgãos de instância
recursal, não estará adstrito à manutenção da medida ou procedência do pedido. A antecipação de
tutela poderá ser cassada a qualquer tempo, uma vez constatado que, apesar do preenchimento
dos requisitos, a instrução do processo demonstrou, ao final, que o atleta não tinha razão. Nesse
caso, deverá custear os prejuízos sofridos pelo clube e, quiçá, ter que retornar para cumprir seu
contrato, rompendo, assim, o contrato com o outro clube, o que é mais remoto.
32. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense, modelos de petições, recursos,
sentenças e outros. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 491.
33. MARTINS, loc.cit.
34. MARTINS, loc.cit.| Grandes Temas - Direito Desportivo: uma visão trabalhista |
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Mutatis mutandis, as mesmas considerações podem ser aplicadas quando é o clube que
pretende o rompimento do contrato, respeitada a questão da justa causa (art. 482 da CLT e Leis
nº 6.354/76 e 9.615/98) ou eventual indenização pela ruptura
35
.
Conclusão
Ao se inteirar das hipóteses que autorizam a transferência do atleta de futebol de um
clube para outro a Justiça do Trabalho estará contribuindo para harmonizar as legislações gerais
e específicas, nacionais e internacionais. Para tanto, deve valer a interpretação de que cumprir
o disposto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição é observar as regras de transferência da CBF e
da Fifa, em consonância com a Lei Pelé e a CLT. Nessa análise, o deferimento da antecipação de
tutela deve ser cauteloso, de modo que o exame dos respectivos requisitos seja feito não só sob
a ótica da lei material e processual trabalhista, mas também da lei do futebol.
Referência Bibliográfica
ABIDÃO NETO, Bichara; MOTTA, Marcos. O êxodo de jogadores menores e a necessidade de
maior proteção a sua formação e transferência. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil
e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009.
BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades,
aspectos controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008.
COURA, Kalleo. Chuteiras que valem ouro. Revista Veja. 2112. ed., ano 42, n. 19, 13 maio 2009.
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Guilherme Augusto Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de
petições, recursos, sentenças e outros. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
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BASTOS, Guilherme Augusto Caputo, coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009.
Regulations on the Status and Transfer of Players.  Disponível em<http://www.fifa.com/
aboutfifa/federation/administration/playersagents/regulationstatustransfertsplayers.html>.
Acesso em: 16 ago. 2009.
REIS, Paulo Sérgio Marques dos. Dos clubes formadores: mecanismos de solidariedade.  In:
Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo. BASTOS, Guilherme Augusto Caputo,
coordenador. Dourados, MS: Seriema, 2009.
35. O rompimento do contrato pelo atleta enseja o pagamento de indenização chamada de Cláusula Penal, nos termos
previstos no contrato. Para o clube, há discussão sobre a bilateralidade do instituto em referência, sendo que
majoritariamente tem-se defendido a unilateralidade da cláusula, cabendo out

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